Projeto inédito levará energia solar descentralizada aos agricultores do Semiárido
Após o sucesso do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que se tornou uma referência mundial na democratização do acesso à água, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) anunciou o Programa Um Milhão de Tetos Solares (P1MTS). O projeto prevê a produção de energia fotovoltaica no semiárido brasileiro com a instalação da tecnologia de painéis solares no teto das casas de agricultores da região.
O anúncio do programa foi realizado durante uma plenária que aconteceu na última quarta-feira, 20 de novembro, no X Encontro Nacional da ASA (EnconASA), que celebra os 25 anos da articulação. Na ocasião, foram apresentados programas e projetos recentemente aprovados em parceria com governos e instituições nacionais e internacionais.
O projeto inédito de produção descentralizada de energia fotovoltaica deve beneficiar 4 mil famílias rurais em 60 municípios do Nordeste e de Minas Gerais na fase piloto. No período de 18 meses, a iniciativa prevê a criação de dez fábricas-escolas para a produção dos painéis solares, e a capacitação de 200 jovens que integrarão o processo de formação de Jovens Eletricistas Sociais, dos animadores e coordenadores das organizações sociais envolvidas no programa.
A proposta é inspirada na experiência pioneira da Escola Família Agrícola do Sertão (Efase), em Monte Santo, na Bahia, que desde 2021 capacita jovens da região para fabricar e instalar as estruturas de energia solar.
Para atender à demanda e cumprir a função estratégica de produção de conhecimento, as fábricas-escola foram distribuídas de forma planejada na fase piloto do programa P1MTS. A ASA prevê a instalação de duas unidades na Bahia e no Ceará, e uma unidade nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Piauí e Maranhão.
A proposta tem o objetivo de aproveitar o alto potencial de irradiação solar do semiárido – com capacidade de geração de 5,49 kWh/m² – para beneficiar a população local, em contraste com grandes projetos que “desapropriam as famílias, ocupam áreas de produção de alimentos e acabam levando toda riqueza que é gerada”, como aponta Giovanne Xenofonte, assessor da ASA.
Para realizar o P1MTS, a ASA estima um investimento de R$ 78,9 milhões. O orçamento previsto inclui o custeio com seleção e cadastramento das famílias, capacitação dos beneficiários e técnicos, recursos humanos, visitas de intercâmbios, produção agroecológica, ações de controle social, gestão e acompanhamento.
“Esse projeto é um sonho, mas precisa de recursos para se tornar realidade. A partir de agora nós vamos buscar esses recursos”, declarou a assessorade coordenação da ASA, Maitê Maronhas, durante a apresentação do programa.
Como funcionarão os sistemas de geração de energia solar
Sistemas Unifamiliares
No modelo unifamiliar, cada residência receberá de quatro a seis painéis solares de 2,20 m x 2,30 m, com potência de cerca de 550 Watts por painel, além de um inversor de 3 kW. Essa estrutura permitirá uma geração média inicial de 300 kWh por mês, quase o dobro da média de consumo atual das famílias brasileiras (152,2 kWh/mês). Essa energia extra pode reduzir os custos com eletricidade em até 95%, proporcionando às famílias um maior conforto financeiro.
De acordo com ASA, o programa instalará 3.600 sistemas unifamiliares com apoio técnico e participação ativa das famílias beneficiadas, que contribuirão com serviços auxiliares à instalação. O P1MTS custeará por seis meses toda gestão, enquanto as famílias serão capacitadas para, depois desse período, assumir o controle dos sistemas.
Esses sistemas são projetados no modelo on-grid, conectados à rede pública de energia, permitindo que o excedente produzido seja usado como crédito em meses subsequentes, otimizando ainda mais a economia doméstica dos beneficiários.
Sistemas Comunitários
Além das unidades unifamiliares, o programa contempla a instalação de usinas fotovoltaicas comunitárias com potência nominal de 25 kWp, que beneficiarão grupos de 20 famílias, totalizando cerca de 400 pessoas. Diferentemente dos sistemas unifamiliares, as usinas comunitárias operam de forma independente da rede elétrica (off-grid) e têm como foco apoiar a produção agroecológica em escala comunitária.
Essas usinas viabilizam sistemas de irrigação, criação de animais e beneficiamento de produtos agropecuários, contribuindo para o cultivo de aproximadamente 4 mil hectares de alimentos agroecológicos e o fortalecimento de empreendimentos solidários.
Com manutenção e monitoramento custeados pelo P1MTS também por um semestre, como no modelo individual, a gestão do sistema após esse prazo deverá ficar sob responsabilidade de uma comissão, com uma pessoa de referência escolhida pela própria comunidade.
ASA Apresenta novo programa de saneamento rural
Durante a plenária do X EconASA, a Articulação Semiárido Brasileiro lançou também o Programa de Saneamento Rural da Rede ASA, uma iniciativa que busca garantir o direito à “terceira água”, também chamada de “água do cuidado”. Este programa é fruto de dois anos de intensos debates, oficinas e visitas técnicas, e propõe um avanço significativo ao incorporar o reúso de água tratada na produção de alimentos e geração de renda para agricultores familiares.
A abordagem inclui o tratamento de águas cinzas — provenientes de pias, ralos e chuveiros — e de águas fecais a serem integradas aos sistemas agroflorestais, um modelo de reúso de água baseado em experiências nacionais e internacionais.
O programa está estruturado em sete componentes estratégicos: seleção de comunidades e famílias; formação e capacitação; comunicação e produção de recursos didáticos; tecnologias adaptadas ao Semiárido; controle social e incidência política; produção agroecológica e recuperação ambiental; gestão, pesquisa e monitoramento.
Também serão implementados “Protocolos de Manejo dos Sistemas de Tratamento de Esgoto e Reúso de Águas”, assegurando a eficiência e sustentabilidade do programa através da capacitação de agricultores e agricultoras.
A ASA, reconhecida por iniciativas pioneiras como a garantia do acesso à primeira água – para consumo humano – e à segunda água – para produção de alimentos-, agora assume um novo desafio. O saneamento rural promete não apenas atender as necessidades básicas, mas também promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida das comunidades do semiárido.
O diretor de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Alexandre Pires, esteve presente na plenária e enfatizou a importância da Articulação Semiárido Brasileiro nas ações de preservação do meio ambiente e de assistência a agricultura familiar.
“O semiárido brasileiro, a partir das suas várias experiências, dos agricultores e agricultoras, das comunidades quilombolas, assentados da reforma agrária e tantos outros povos que vivem nesse território, sabe como enfrentar esse contexto de mudanças climáticas. E eu acho que a gente precisa mostrar para o Brasil e para o mundo, enquanto semiárido, que também temos condições e temos capacidade para produzir alimentos para sustentar esse país. Talvez esse seja o grande marco que a ASA pode construir nos próximos dez anos: transformar o semiárido na maior região produtora de alimentos agroecológicos e saudáveis deste país”, declarou Pires.
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