Mais de três anos. Esse é o tempo médio para o julgamento de casos de feminicídio e violência doméstica na Justiça de Pernambuco, de acordo com o próprio Tribunal de Justiça (TJPE). Mais precisamente, são 1.165 dias para feminicídios e 1.302 dias para violência doméstica. Até a primeira metade de novembro, 260 casos de feminicídios e mais de 40 mil processos de casos de violência contra a mulher aguardavam por uma audiência em primeiro grau, quando o processo dá entrada no judiciário. 

A lista de 41.238 processos inclui medidas protetivas de urgência (com 18.159 casos), violência doméstica contra a mulher (13.468 casos), violência contra mulher (7.768 casos), 1.348 casos de crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, 260 feminicídios, violência psicológica contra mulher com 164 casos, crimes previstos na Lei Maria da Penha, com 35 casos, e 35 homicídios qualificados.

Em 2023, houve 59.451 registros de sentença relacionados à violência de gênero. Neste ano, até o dia 18 de novembro, o TJPE apresentou sentenças em 27.653 processos, o que representa apenas 46,5% em relação ao ano anterior.

Na prática, parentes e amigos aguardam os desdobramentos para que os responsáveis por esses crimes tenham um julgamento sem a certeza de quando vai acontecer. Existem os recursos, as instâncias em segundo grau e as remarcações, como foi o caso do assassino da dentista Emelly Nayane da Silva Ribeiro, de 24 anos, em fevereiro de 2021.

Lívio Quirino de Oliveira Neto foi acusado de asfixiar a dentista, sua esposa, e responde pelos crimes de homicídio qualificado, feminicídio e violência doméstica. Ele iria a júri popular em junho deste ano, mas foi adiado a pedido da defesa do réu. Remarcada para outubro, o julgamento foi adiado novamente por pedido da defesa. Na última quinta-feira (05), o homem foi condenado a 22 anos de prisão.

Alternativas possíveis

Para que os casos de feminicídio tenham mais visibilidade nos sistemas dos tribunais e como uma alternativa para acelerar as audiências desses processos, a plataforma Sinal Vermelho foi criada pelo Instituto Banco Vermelho (IBV), que coleta informações sobre casos criminais para a identificação e encaminhamento aos tribunais de justiça parceiros, solicitando a celeridade do processo.

A ideia da plataforma surgiu após o parente de uma vítima procurar a presidente do IBV para tentar acelerar o processo de feminicídio. “Existe uma distância muito grande entre a sociedade civil e o judiciário. Ao escutar essa demanda dele, eu entendi qual é o problema, ele não sabia de absolutamente nada do processo, que sequer tinha acontecido ainda, não tinha sido oferecida a denúncia ainda”, afirma Andréa Rodrigues.

Os dados podem ser alimentados pelos próprios familiares. No sistema, eles conseguem acompanhar diretamente o andamento do processo. Na versão beta, oito processos foram cadastrados na plataforma e todos eles foram resolvidos.

“Ao ser cadastrado na plataforma, o processo sobe direto para presidência do TJ, onde eles têm um compromisso de, semanalmente, olhar tudo que chega através dessa ferramenta e encaminhar para coordenadoria da mulher, lá elas já colocam as providências, vão atrás”, afirma Andréa.

Em 2024, foram 45 mil denúncias de violência contra a mulherem PE

De acordo com os dados da gerência de Análise Criminal e Estatística, da Secretaria de Defesa Social (SDS), nos dez primeiros meses de 2024 foram contabilizados 60 crimes de feminicídios, pouco menos do que os 66 do mesmo período do ano anterior. E, em todo o ano de 2023 foram 82 casos registrados.

Em relação às tentativas de feminicídios, foram 105 em 2023. E, de janeiro a outubro deste ano, o estado registrou 81 tentativas de feminicídios, contra 88 no mesmo período do ano anterior.

Até outubro deste ano, foram 44.942 casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. No total do ano anterior, 52.359 registros.

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A SDS classifica a violência doméstica e familiar contra a mulher em: ameaça, calúnia, constrangimento ilegal, dano, difamação, estupro de vulnerável, estupro, homicídio, injúria, lesão corporal, maus tratos, perturbação do sossego, vias de fato e outros crimes por violência doméstica/familiar.

Políticas públicas existem, mas não são bem executadas

Segundo a SDS, desde o início da gestão Raquel Lyra (PSDB), a Patrulha Maria da Penha, da Polícia Militar de Pernambuco, monitorou 6.413 medidas protetivas de urgência e, dentro desse universo de mulheres sob essa proteção, não há registro de crime de feminicídio. Para enfrantar a violência de gênero, o estado possui 15 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, metade funciona em plantão 24 horas.

Embora exista um esforço de grupos e entidades para que o país combata efetivamente o feminicídio e a violência contra a mulher, não parece ser suficiente para evitar esse tipo de crime.De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, o número de feminicídios no último ano aumentou no país, chegando a 1.467 vítimas.

Especialistas avaliam que a lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), criada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas de proteção e assistência às vítimas e aos familiares, não é aplicada efetivamente no país.“A gente avalia que não foi implementada de fato na maioria dos estados, no Brasil inteiro. A lei que tem capítulos muito importantes da prevenção, mas a sociedade brasileira sempre olha muito mais com o olhar do punitivismo”, afirma Analba Teixeira, articuladora da Campanha Nacional Levante Feminista.

A ativista analisa que, para as políticas públicas contra a violência de gênero se tornem realmente efetivas, é necessário avaliar o contexto onde as mulheres estão inseridas, para além do urbano.“A realidade é muito mais complexa, tem a diversidade dos contextos em que essas mulheres estão inseridas, bem como a desigualdade entre homens e mulheres. Isso tem sido colocado com muita força pelo feminismo negro, pelo feminismo lésbico, que foi muito recentemente incorporado como desafio para nós”, pontua.

A Campanha Nacional Levante Feminista contra o Feminicídio, Lesbocício e Transfeminicídio surgiu em março de 2021, em meio à pandemia de covid-19, com o lançamento do manifesto “Nem Pense em Me Matar” e reúne mulheres ativistas, pesquisadoras, integrantes de coletivos e organizações que buscam incidir politicamente para o combate a violência de gênero.

“A nossa perspectiva da continuação da luta, que é essa questão da matança das mulheres, do crescimento da violência contra as mulheres. Eu acho que a gente precisa continuar, enquanto movimento, atuando na denúncia, incidindo sobre a sociedade, atuando e incidindo por políticas públicas que avancem, em políticas que englobem outros contextos. E a gente precisa continuar atuando junto às mulheres negras, tanto no nosso trabalho de formação, como nas redes de solidariedade”, completa Analba.

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