Depois de mais de 3 anos, OMS retira alerta máximo da covid-19
Em março de 2020 o mundo viveu o início de um pesadelo. Naquele mês, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou que a covid-19, ainda uma incompreendida pneumonia viral, era uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto alerta para uma doença. Rapidamente, o vírus Sars-Cov-2 se espalhou por todo o mundo, causando oficialmente cerca de sete milhões de mortes, com 10% delas no Brasil. Nesta sexta-feira (05), mais de três anos depois, a OMS retirou a emergência de saúde da covid-19.
“Naquela época (março de 2020), fora da China, havia menos de 100 casos relatados de covid-19 e nenhuma morte relatada. Nos três anos desde então, a covid-19 virou nosso mundo de cabeça para baixo. Quase 7 milhões de mortes foram relatadas à OMS, mas sabemos que o número é várias vezes maior – de pelo menos 20 milhões”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom.
Para decretar o fim da emergência, a OMS analisou a conjuntura do último ano. “Por mais de um ano, a pandemia está em tendência de queda, com a imunidade da população aumentando devido à vacinação e infecção, a mortalidade diminuindo e a pressão sobre os sistemas de saúde diminuindo. Essa tendência permitiu que a maioria dos países voltasse à vida como a conhecíamos antes”, disse.
O Comitê de Emergência da OMS encerra os trabalhos, mas se cria um Comitê de Revisão, para desenvolver recomendações permanentes de longo prazo para os países sobre como gerenciar a covid-19 de forma contínua. É a primeira vez que um comitê desse tipo é criado após o fim de uma emergência.
Tecnicamente, o fim da covid-19 como uma emergência global não significa o fim da pandemia. A doença segue afetando muitos países e não está em um nível tão baixo para ser considerada uma endemia: em abril foram mais de 17 mil mortos pela doença no mundo, levando em conta só os casos oficiais. Assim como a Aids, descoberta há quatro décadas, a covid-19 segue sendo uma pandemia.
“Este é um momento de celebração. Chegamos a este momento graças à incrível habilidade e dedicação abnegada dos profissionais de saúde e assistência. A inovação dos pesquisadores e desenvolvedores de vacinas; as duras decisões que os governos tiveram que tomar diante das mudanças nas evidências; e os sacrifícios que todos nós fizemos como indivíduos, famílias e comunidades para manter a nós mesmos e uns aos outros seguros. Em outro nível, este é um momento de reflexão. A covid-19 deixou – e continua deixando – cicatrizes profundas em nosso mundo. Essas cicatrizes devem servir como um lembrete permanente do potencial de surgimento de novos vírus, com consequências devastadoras”, afirmou Adhanom.
O último boletim da covid-19 em Pernambuco não registrou nenhum óbito confirmado e 32 novos casos, em uma semana. Desde o início da pandemia, foram 22.787 mortes confirmados em Pernambuco e mais de 1,1 milhão de casos.
Lula pede que população se vacine
Em postagem nas redes sociais, o presidente Lula lamentou o negacionismo da ciência durante o governo Bolsonaro. “Infelizmente, o Brasil passou da marca de 700 mil mortos pelo vírus. E acredito que ao menos metade das vidas poderiam ter sido salvas se não tivéssemos um governo negacionista”, publicou. “Vidas perdidas pela negação da ciência. Por um governo que não comprou vacinas logo quando foram ofertadas ao país e incentivou o uso de remédios sem comprovação científica.”
Lula também aproveitou para pedir que a população se vacine. Desde o dia 24 de abril o Ministério da Saúde liberou a vacina bivalente para pessoas com mais de 18 anos. No Recife, não é preciso agendar para tomar a vacina nos postos de saúde. “Apesar do fim do estado de emergência, a pandemia ainda não acabou. Tomem as doses de reforço e não deixem de ter o esquema vacinal sempre completo. E o governo federal irá incentivar a saúde, ciência e pesquisa no nosso país. Irá atuar para preservar vidas”, escreveu Lula no twitter.
Covid-19 segue sendo doença a ser evitada
A divulgadora científica e biomédica Mellanie Fontes-Dutra recebeu a notícia do fim da emergência em saúde com um misto de sentimentos. “Um alívio por chegarmos nesse cenário em que podemos dizer que a emergência finalizou, e tudo isso foi graças a um esforco global em prol da vacinação e da conscientização sobre riscos do vírus e como nos proteger dele. Porém, uma tristeza que é difícil de cessar, por todas as vidas perdidas e que poderiam estar entre nós se nossa reposta, por vezes, tivesse sido mais rápida, mais assertiva e com menos propagação de desinformação como vimos na pandemia da COVID-19 – e seguimos vendo”, afirmou à Marco Zero.
Mellanie espera que o mundo possa se preparar melhor para as próximas pandemias. E que lembra que não se deve subestimar os agentes infecciosos “Fizemos isso com a covid-19 no início da pandemia e vimos o horror que foram as diversas ondas do vírus e suas versões, enquanto ainda não tínhamos a vacinação pra nos ajudar a proteger dele. O preparo ideal é aquele que evita a pandemia. Portanto, aprendizados sobre investir em ciência, em vigilância genômica desses e de outros agentes infecciosos de interesse conhecidos e novos, além de preparar estratégias e contramedidas para um eventual surto é imperativo. Além disso, a conscientização da população pra evitar os riscos de exposição também são extremamente importantes”, enumera.
O imunologista e pesquisador Gustavo Cabral reforça que os investimentos em ciência seguem sendo extremamente necessários. “A doença está disseminada no mundo inteiro, mas só o fato de ter saído dessa emergência é um alívio enorme. Mas tem o outro lado: espero que isso não afete o desenvolvimento científico. Quando estamos em uma emergência de saúde pública, o suporte e a atenção são muito maiores do que em uma situação “normal”. É natural que os investimentos caiam, só não pode diminuir a ponto de afetar pesquisas importantes para o combate da covid-19. Por exemplo, precisamos ter continuidade na atualização das vacinas. Surgem variantes e subvariantes e precisamos acompanhar isso. Os governos precisam estar atentos”, acredita.
Para o cientista Jones Albuquerque, a retirada do alerta da OMS poderia ter sido feito mais paulatinamente, para evitar o risco de que a covid-19 vire mais uma doença negligenciada. “Sanitariamente ainda estamos em pandemia, mas socialmente, há mais de ano, já havíamos decretado seu fim com o fim das políticas de proteção à população. Agora, pelo que parece, apenas chancelou-se isso”, criticou.
“Agora corremos o alto risco de termos mais uma doença negligenciada, como chamamos, na lista de de enfermidades que assolam todos os mais vulneráveis, tanto imunologicamente quanto economicamente, sem acesso a antivirais, etc. E estamos deixando o “rastro”, crescente, de centenas de milhões de sequelados pela covid-longa”, afirmou.
É bom sempre lembrar que a covid-19 não é uma gripe. Mesmo pessoas vacinadas podem contrair a infecção, uma vez que as vacinas disponíveis são mais eficientes contra agravamento e morte. No twitter, a médica epidemiologista Denise Garrett, do Instituto Sabin, tem alertado sobre os perigos das repetidas infecções com o vírus.
“Reinfecções aumentam seu risco de doenças crônicas como diabetes, doença renal, falência de órgãos e até mesmo problemas mentais. Mantenha a vacinação em dia e use máscara em lugares cheios fechados/mal ventilados”, escreveu, lembrando que a vacinação também reduz o risco da covid longa.