Condomínios e espigões ameaçam 100 hectares de mangue e mata atlântica em Salvador
A 200 metros do manguezal na foz do rio Passa Vaca, uma Área de Proteção Ambiental (APA) localizada no bairro de Patamares, em Salvador (BA), o caos está instaurado. Tratores e betoneiras orquestram uma sinfonia barulhenta que encobre o canto dos pássaros em ruas empoeiradas, cheias de buracos e com muito tráfego de carros e pedestres. Perto dali, na rua Fauna – vejam só que incongruência -, mais homens trabalham para edificar outro espigão, esse com cobertura duplex vista para o mar e o Selo IPTU Verde garantido pela prefeitura.
Em um breve passeio pela área próxima à orla da praia de Jaguaribe, é possível contabilizar, até agora, 13 empreendimentos imobiliários em obras e seis finalizados. Aos poucos, o cenário tropical típico do litoral baiano vai sendo esmagado pela rapidez da verticalização da cidade, que ameaça ainda destruir 1 milhão de m² (100 hectares) de mata atlântica existentes nas imediações.
“Manter em pé o que resta não basta, que a motosserra voraz faz a festa (…) Por que não deixamos nosso mundo em paz?”, questiona o cantor Gilberto Gil na canção Refloresta. Numa capital que, sem esconder tal intenção, está prestes a se tornar um gigante canteiro de obras a céu aberto, ambientalistas e militantes de distintos movimentos espalhados pela cidade pressionam o poder público para que atitudes sejam tomadas. O manguezal e a mata do parque Vale Encantado compõem mais um palco para esse confronto.
O economista Marco Antônio Santos Dias diz que o sombreamento provocado pelos espigões na praia de Jaguaribe já é uma realidade e que o local recebe uma menor quantidade de banhistas no período da tarde, justamente pela falta de sol, o que, a longo prazo, pode acarretar prejuízos à vida marinha e à qualidade da areia.
“Essa área, delicada e frágil pela presença de dois rios (Jaguaribe e Passa Vaca) próximos ao mar, está condenada. As ruas não suportam a construção desses espigões. Quando vierem os futuros moradores, isso vai virar um inferno de carros e de gente, tentando viver a ilusão de estar num verde que os seus próprios prédios derrubaram”, analisa Isa Trigo, atriz, que há mais de 30 anos reside em Patamares.
Ao lado de sua casa, originalmente uma área de manguezal cheia de caranguejos que, no decorrer dos anos, ela tratou de replantar diversas espécies de árvores no entorno (sendo hoje o único pedaço verde da rua), seu novo vizinho começa a dar as caras: um edifício de 20 andares está sendo erguido.
