Manifestantes tomaram as avenidas do centro do Recife nesta segunda-feira, 17 de junho, para protestar contra o PL 1904/2024, que tramita na Câmara dos Deputados e equipara o aborto ao crime de homicídio. O ato, organizado pela Frente Nacional Pela Legalização do Aborto, Marcha Mundial das Mulheres e Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), teve início às 16h na Praça do Derby.

Com o lema #Criançanãoémãe, as manifestantes argumentam que o projeto de lei vai criminalizar crianças de 14 anos que já foram vítimas de violência sexual e que serão duplamente vitimizadas pela proibição do aborto legal após 22 semanas de gestação.

Caso aprovado, o PL 1904, apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e mais 32 coautores da extrema-direita, determina que o aborto realizado após as 22 semanas de gestação passará a ser considerado hominício, em qualquer situação, inclusive em casos de gravidez resultante de estupro. Em caso de condenação, a pessoa gestante pode ter uma pena de seis a vinte anos de reclusão.

Na praça do Derby, Elisa Aníbal, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras em Pernambuco, lembrou que, em 2020, políticos evangélicos insulflados pela então ministra Damares Alves, atacaram a Maternidade da Encruzilhada para tentar impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos estruprada pelo tio. “Agora, estamos na rua porque o Congresso Nacional não pode decidir em 23 segundos o destino da vida das mulheres e das meninas”, discursou.

Católicas da Articulação Igreja Em Saída participaram do ato para expressar que “há uma parcela da Igreja Católica que preocupa-se com a vida das mulheres e das crianças violentadas, não apenas com o feto”, como afirmou Patrícia Simões. Ela explicou que a expressão “Em Saída” significa a visão de que a igreja deve sair para a sociedade, ir até ode as pessoas estão, e não apenas esperar dentro do templo.

Representante da organização Evangélicas Pela Igualdade de Gênero, Maria das Graças Ferreira, estava indignada com o projeto. “Do jeito que está colocado, parece que é o direito ao aborto legal de mulheres vítimas de violência sexual é algo novo que as feministas estão propondo agora e não uma lei de 1940. Eles querem confundir as pessoas”, queixa-se. Para Maria das Graças, os médicos que se recusam a fazer o aborto em vítimas de estupro é que deveriam ser punidos.

“Artur Lira, a mulherada não tem medo de você”

Além da anulação do PL 1904/2024, a manifestação desta segunda-feira teve como mote o #ForaLira. O apelo aconteceu porque no dia 12 de junho o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautou a votação do PL em requerimento de urgência, sem aviso e sem anunciar o número do projeto. Na ocasião, Lira considerou a urgência em votação simbólica – sem registro eletrônico dos votos dos deputados – e não deu espaço para manifestações contrárias ao projeto de lei.

“Lira, que está em plena campanha para fazer o seu sucessor na casa legislativa, usa o direito e a vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam para barganhar apoio das bancadas fundamentalista”, declararam as instituições organizadoras do ato em postagem nas redes sociais.

A ex-codeputada das Juntas, Jô Cavalcanti, do MTST, engrossou o coro contra Artur Lira e o Congresso Nacional. “Não são apenas os movimentos sociais que estão mobilizados contra a tramitação desse projeto absurdo, mas a sociedade comou um todo também está contra”, afirmou.

Outras manifestações contra o PL que equipara o aborto ao crime de homicídio já foram realizadas nos últimos dias em diversas capitais do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Pouco antes das 18h, os manifestantes, já em número bem expressivo e com numerosa participação do público masculino, iniciou a caminhada em direção ás avenidas Carlos de Lima Cavalcanti e Conde da Boa Vista sob os gritos de “Oh Lira, a mulherada não tem medo de você!”

OAB tem unanimidade contra PL

Pouco antes da manifestação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) aprovou por unanimidade, nesta segunda-feira, parecer assinado por 81 conselheiros federais da OAB que considera inconstitucional o “PL do estupro”.

Segundo a comissão, ao equiparar o aborto ao homicídio, o PL afronta princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança. Além disso, a proposta é vista como uma violação dos direitos das meninas e mulheres, impondo-lhes um ônus desproporcional e desumano.

A comissão defendeu ainda que a criminalização da mulher em casos de aborto, já previstos em lei, representaria um significativo retrocesso. Segundo o parecer elaborado pela OAB, a solução para os desafios associados ao aborto deve estar na proteção das mulheres contra crimes como estupro e assédio, por meio de políticas públicas robustas. Essas políticas devem garantir educação, segurança, atendimento médico adequado e medidas preventivas.

O parecer também destacou a importância do planejamento familiar e a necessidade de preparação dos hospitais públicos para acolher essas mulheres. “Existe uma disparidade imensa de acesso ao planejamento familiar no mundo e no Brasil não é diferente”, frisou o documento. A falta de informação, a educação sexual inadequada e a dificuldade de acesso a métodos contraceptivos efetivos são alguns dos fatores que levam ao aumento das gestações indesejadas e da violência contra mulheres, jovens, adolescentes e crianças. O documento frisou ainda que o Brasil enfrenta uma realidade alarmante, onde mais de 80% das vítimas de aborto são crianças que foram violentadas.

“A OAB entregará esse parecer, aprovado por seu plenário, como uma contribuição à Câmara dos Deputados, instituição na qual confiamos para apreciar e decidir sobre este e qualquer outro assunto”, declarou Beto Simonetti, presidente nacional da OAB.

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