O estranho não é Landim não saber quem é Zico. O estranho é a Gávea não estar cercada depois disso.

Por Lúcio de Castro

O estranho não é Landim não saber o que Zico representa para o Flamengo. O estranho não é Landim não ter respeito pelo Flamengo. Tudo isso sempre esteve aí. Esse é o sujeito cujo único objetivo é negociar o Flamengo. O estranho é a Gávea não ter sido cercada, não existir protesto, não se exigir a saída de um presidente que não respeita o maior ídolo. Algo que só a cooptação de tantos personagens desse enredo explica. Não é preciso explicar pra ninguém aqui quem é Zico, quem é Zico para o Flamengo. Nem mesmo falar sobre construção de memória, o sagrado da construção de ídolos. É preciso falar sobre Landim. Vamos lá:

O Flamengo é vítima de uma apropriação indébita. Rodolfo Landim usa o Flamengo para seus objetivos pessoais.

Não bastasse a aberração que isso representa, o preço disso está sendo muito alto para o clube.

As duas frases acima vão muito além de subjetivas. São facilmente respaldadas em um conjunto de fatos recentes. Assustadores.

Aos fatos:

No dia 17 de junho de 2020, Landim esteve na posse do então novo ministro das comunicações, Fábio Faria. Após a cerimônia, em meio a uma pandemia que matava milhares todos os dias, ocorreu um almoço reservado juntando o presidente do Flamengo, Bolsonaro e Felipe Melo. São todos fatos públicos e registrados na imprensa na ocasião.

No almoço, Landim e Bolsonaro conversaram sobre a “Lei do Mandante”. Era o que os dois precisavam. Para Bolsonaro, era a forma perfeita para fustigar a TV Globo e atacar diretamente seu alvo permanente no bolso. E para Landim, o passaporte que precisava para ganhar o mandatário e alçar seus vôos particulares. Usando o Flamengo para isso. O tempo acabou mostrando o quão danoso foi para o Flamengo, mas é isso é adiante.

No dia seguinte já, célere como jamais foi para comprar vacinas, Bolsonaro edita a MP 984/2020, redigida por seu ministro Onyx Lorenzoni. A celeridade ocorreu ainda porque a alteração era simples: bastou acrescentar a palavra “mandante” ao trecho da Lei Pelé que trata sobre os detentores dos direitos de transmissão das partidas. Uma simples palavra que atingia em cheio a TV Globo e ao mesmo tempo credenciava Landim como um homem de confiança de Bolsonaro.

Paralelo ao favor em que usava o Flamengo sem pensar no cenário de perdas futuras, Landim prestava outro favor: botava lenha no fogo de Bolsonaro que ardia um país menosprezando a ciência e causando vítimas: aderia a campanha do ex-presidente a reabrir os estádios. E usava o jogador mais forte possível da mesa: o Flamengo.

A MP chegou a caducar, voltou em forma do projeto de lei PL 2.336/2021 no ano seguinte que, com menos de um mês de transitação, foi aprovado em 24 de agosto de 2021. No mês seguinte, Bolsonaro demonstrou sua gratidão e passou a falar aos próximos e deixar vazar a ideia de ter Landim como vice na eleição de 2022.

O pagamento e mais um passo da relação veio antes. No início de março de 2022, Bolsonaro expressou que pretendia tirar o general Joaquim Silva e Luna da presidência da Petrobras. O plano tinha data: com 51% dos votos do governo, na assembleia de acionistas marcada para 13 de abril seguinte, Bolsonaro tirava o general e botava Landim.

Em razão da pressão e de Landim ainda ter mandato no Flamengo, a ideia de presidência migrou para outro posto estratégico na estatal: em 28 de março, Bolsonaro indicou o nome de Landim para diretor-geral do Conselho de Administração da Petrobras (além de Adriano Pires para a presidência).

O RELATÓRIO DA PETROBRAS SOBRE LANDIM

O que veio em seguida vale sua atenção. E é assustador, caso não lembre ou na ocasião não tenha ficado sabendo:

Todo candidato ao conselho tem que passar por crivo sobre sua folha corrida. E aí a indicação de Landim desandou.

O relatório da “Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras” sobre Landim, entregue ao ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, assim foi descrito, em definição vazada na ocasião: “Assustador”. Até mesmo para técnicos da Corregedoria Geral da União, acostumados com sustos de prontuários.

De acordo com reportagem publicada no Globo na ocasião, o relatório mostrou que Landim recebeu em suas contas na Suíça depósitos de “contas de passagem” usadas para mandar recursos a Renato Duque e Pedro Barusco, executivos da Petrobras envolvidos no episódio que ficou conhecido como “Petrolão”.

E constatava, de acordo com o relatório, que Landim teria então uma série de processos e acusações pendentes na Justiça que atestariam sua relação com o empresário Carlos Suarez, sócio de distribuidoras de gás, em evidente conflito de interesse caso assumisse na Petrobras.

Relatava ainda que, de sua conta, Landim enviara US$ 643 mil para uma conta de Suarez, também na Suíça, em maio de 2021.

Os documentos sobre essas contas estão no processo movido pelo Ministério Público Federal contra Landim por fraude e desvio de recursos do fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, a Petros.

A quebra de sigilo das contas de Landim para apurar se as movimentações na Suíça chegou a ser pedida, mas escapou por uma liminar do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal de Brasília, que cancelou o pedido de cooperação internacional entre Brasil e Suíça e suspendeu o processo.

Diante da certeza de que seria veementemente gongado na indicação de Bolsonaro, Landim recuou. E até para recuar usou o Flamengo, afirmando, depois de nos bastidores aceitar a indicação, que não poderia porque teria que se dedicar ao clube.

A ampla relação com Bolsonaro e a utilização do Flamengo para tal e alcançar os objetivos pessoais, por fim, como se sabe, resultou no contrato assinado pelo Flamengo com a Libra. Aprovado pelo conselho do clube recentemente. E, como também se sabe, tendo como origem a Lei do Mandante urdida à surdina, à socapa, à sorrelfa, na calada da noite, por Bolsonaro e Landim, cada qual com seu interesse, menos os de um país e de um clube. E que agora custa caro e causa prejuízos para o clube.

Ao longo de sua história, o Flamengo foi apropriado indevidamente para interesses próprios muitas vezes. Em todas o fim foi danoso. O espetacular êxito e superávits atuais não transformam menos danosos tais ultilizações.

Mas acima de tudo, apontam para um único caminho: o Landim que tem agora como pensamento único vender o Flamengo e usa um estádio como cortina de fumaça, é o mesmo da Lei do Mandante assinada à pequena com Bolsonaro, é o mesmo que fez do clube caminho para indicação na Petrobras, é o mesmo do relatório assustador. O pior: com um conselho totalmente aparelhado e aos seus pés. Tradução: ou o além Gávea e gabinetes obscuros atentam para tantos fatos, (tradução para “Além Gávea: o torcedor, o verdadeiramente apaixonado, a massa, o povão, “la gente”, como dizem os argentinos), ou esse mesmo Landim e seus parceiros venderão o clube. 30% e nada mais depois, garantem, se você quiser acreditar. Para investidores respeitáveis, se você quiser acreditar.

O Flamengo é Zico e não algo tão vil. E Zico é tronco poderoso dessa árvore sagrada. Aquele que nos faz e nos permite construir as referências para os que vão chegar. A ancestralidade rubro-negra está e sempre estará em Denir, Gerdau, Dida, Zizinho, Dr Rubis, Leandro, Júnior, Leonidas. E eternamente Zico. Landim e os seus: nunca serão.