Extrema direita sabe capturar insatisfação global com o sistema político, diz professor

Por Andrea DiP

O crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu após as eleições deste ano, com partidos extremistas como o espanhol Vox, o alemão AfD e o português Chega!, indica uma insatisfação dos europeus com a política, analisa o professor David Magalhães. Doutor em relações internacionais, Magalhães tem concentrado suas pesquisas no tema da transnacionalização da direita radical e na política externa de governos ultradireitistas. 

Em entrevista ao podcast Pauta Pública, Magalhães discute a capacidade da direita de conseguir capturar o sentimento de insatisfação com o sistema, não só na Europa, mas também no Brasil e nos Estados Unidos. Para ele, apesar das diferenças nas plataformas eleitorais em cada país, as eleições europeias “impactam e dão uma certa revitalidade aos grupos de extrema direita brasileira que comemoraram a vitória dos europeus no Parlamento”. 

Na discussão, Magalhães ressalta que, do ponto de vista das “direitas”, a Europa é historicamente muito distante do Brasil. Por isso, desde a redemocratização, o movimento brasileiro tem se espelhado na direita americana. Atualmente, essa tendência continua, com o alinhamento a Donald Trump e ao movimento nacional populista, buscando replicar a sua forma e conteúdo. 

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.

EP 125 Extrema direita em ascensão na Europa e a influência no Brasil – com David Magalhães

21 de junho de 2024 · Professor que pesquisa direita radical analisa resultado das eleições europeias

Eduardo Bolsonaro tornou-se, de certa forma, o elemento de internacionalização da direita brasileira. Foi ele quem se aproximou do Steve Bannon junto com Filipe Martins, que está preso agora, mas foi assessor de relações internacionais da Presidência. As duas figuras transnacionalizaram as relações do bolsonarismo com grupos e organizações de ultradireita. Eduardo Bolsonaro se aproximou do partido português Chega!, de André Aventura, e também do partido espanhol Vox, de Santiago Abascal. 

Inclusive, o Brasil faz parte de uma organização conhecida como Fórum de Madri. Essa organização teria sido criada para ser uma oposição ao Foro de São Paulo – suposta organização de esquerda de teor conspiracionista – porém o Fórum de Madri é uma organização de direita conservadora, claramente radical. 

A reivindicação de uma identidade mobiliza um senso de cristianismo e tradição de família católica ou protestante. O caso brasileiro oscila de um lado para o outro, mas de certa forma reivindica a mesma tradição cristã. Ou seja, a ideia de identidade não é nacional secular, como é observado na França ou Holanda, é uma identidade que quer recuperar uma tradição cristã. Como é visto na discussão em torno do aborto no país, esse elemento vem de uma reivindicação identitária cristã muito importante nesses grupos. 

[Andrea Dip] David, você trouxe alguns elementos muito importantes. Eu gostaria de saber como as eleições europeias refletem no Brasil? 

Eu ouvi alguma militância digital de grupos bolsonaristas celebrando a vitória da direita radical, embora eles não entendam exatamente essas diferenças relatadas. No momento que souberem que o partido de Marine Le Pen, a Rassemblement National, é em massa a favor do aborto, vão começar a chamá-la de esquerdista. A visão que eles têm é de um grupo conservador crescendo. Independente de essa percepção ser verdadeira ou não, ela impacta e dá uma certa revitalidade a esses grupos, como se houvesse uma janela de oportunidades de crescimento.  

Não estamos diante de uma direita conservadora normal, mas de grupos verdadeiramente extremistas e hostis à democracia. Eu acredito que existem alguns elementos que fortalecem os movimentos com um discurso geralmente contra o sistema. A direita populista radical na Europa adota uma postura que é, em certa medida, contra o sistema, envolvendo tanto a centro-esquerda quanto a centro-direita. As eleições europeias têm mostrado isso: há um cansaço com o pêndulo centro-esquerda e centro-direita. 

Os problemas também advém da democracia liberal, que se mostrou bastante incapaz de resolver problemas fundamentais de origem social, econômica e de desigualdade. Há uma sensação de insatisfação. Houve, por mais de uma década, uma coalizão na Alemanha entre centro-esquerda e centro-direita com o Partido Social-Democrata (SPD) e a União Democrata Cristã (CDU), que governaram juntos desde a época da Alemanha Ocidental. 

Na Espanha, com o Partido Socialista Obrero (PSOE), há a mesma alternância entre os dois grupos. Existe uma sensação de desgaste geral em relação ao sistema, o consenso liberal que une centro-direita e centro-esquerda está sendo questionado. A esquerda não conseguiu capturar essa energia. Já a direita consegue capturar esse sentimento na Europa, Estados Unidos e também aqui no Brasil. Esse é um ponto que tende a reforçar o discurso antissistema. 

Porém nada se compara com a possibilidade de Donald Trump vencer as eleições americanas. O cenário eleitoral nos Estados Unidos tende a ser muito mais impactante para a direita brasileira do que o cenário europeu. A Europa, do ponto de vista “das direitas” é muito distante historicamente, por isso a direita brasileira tem mimetizado a direita norte-americana. Desde o processo de redemocratização, o principal farol das nossas direitas radicais tem sido os EUA. 

Desde o período do neoconservadorismo, com o ex-presidente americano George W. Bush e a Guerra do Iraque, até quando a direita começa a virar uma direita nacional populista com o também ex-presidente Donald Trump. Inclusive, a extrema direita tenta copiar a forma e o conteúdo da alt-right que ascende com o supremacista branco Richard Spencer. Em termos de pacto, temos que prestar muito mais atenção no que vai acontecer nas eleições dos Estados Unidos agora no final do ano do que nas eleições europeias. A Europa é vista como algo muito distante da direita radical brasileira.