Cresce procura por aborto decorrente de estupro no Hospital da Mulher do Recife
Hospital de referência para mulheres e pessoas com útero, o Hospital da Mulher do Recife realizou este ano (até 18 de junho), por meio do Centro Sony Santos — especializado em atenção a vítimas de violência —, 62 abortamentos legais de gestações decorrentes de estupro. O número já é quase igual à quantidade aos 67 feitos em 2022 e deverá ultrapassar os 88 registros de 2023.
Os dados são consequência da realidade de crescimento de estupros no país. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, a cada oito minutos, uma menina ou mulher foi estuprada no primeiro semestre do ano passado no Brasil. É o maior número registrado desde 2019, início da série. “O aumento da violência sexual automaticamente aumenta o número de pessoas que engravidam em decorrência dessa violência”, correlaciona a coordenadora do Centro Sony Santos, a médica Eduarda Pontual.
A Marco Zero conversou com ela para entender o perfil das vítimas que chegam ao serviço para interromper a gestação após terem sido violentadas e como o projeto de lei 1904, que equipara aborto a homicídio após 22 semanas de gestação, pode impactar a vida dessas pessoas, além de impactar o serviço público de atendimento.
O Sony Santos funciona 24 horas e atende a partir dos dez anos de idade mulheres cis, trans e homens trans com útero vítimas de violência física, sexual e/ou psicológica de qualquer cidade do país. O serviço possui equipe multiprofissional composta por médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais e não requer agendamento prévio. O Hospital da Mulher do Recife é um equipamento da prefeitura da cidade, inaugurado em 2016, no bairro do Curado.
Desde então, o centro realizou um total de 408 abortamentos previstos em lei quando a gravidez foi consequência de violência sexual. Entre 2023 e 2024, dos 150 registros, 11 eram de meninas entre 10 e 19 anos; 95 entre 20 e 29 anos; e 44 entre 30 e 59 anos. Dessas 150, 121 se autodeclararam pardas; 22 brancas; e sete pretas.
De autoria de parlamentares fundamentalistas, o “PL do estupro” gerou protestos em todo o Brasil. No Recife, o movimento feminista levou uma multidão ao centro da cidade, na segunda-feira (17) . Após pressão, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que a proposta será analisada somente no segundo semestre em uma comissão colaborativa. A mobilização, porém, continua para que a proposta seja arquivada e para que vidas não sejam usadas como moeda política e não haja mais retrocessos nos direitos sexuais e reprodutivos.
Nesta quarta (19), a Comissão de Legislação Participativa da Câmara aprovou um requerimento da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) que solicita à mesa diretora da Casa o arquivamento imediato do projeto.
Confira entrevista com a coordenadora do Centro Sony Santos:
Marco Zero – Qual o perfil de meninas e mulheres que chegam ao Centro Sony Santos em busca do abortamento legal quando a gestação é decorrente de violência sexual? Quem são os principais agressores?
Eduarda Pontual – Esse perfil é composto, na grande maioria, por mulheres adultas e jovens entre 20 e 29 anos que se autodeclararam pardas. Embora a gente também atenda a partir dos 10 anos de idade, infelizmente muitas pessoas ainda desconhecem que a gente assiste a esse público de meninas. Mas já chegaram ao centro algumas meninas gestantes para fazer a interrupção da gestação. Dentro desse público, os principais agressores são familiares, como pais, padrastos e tios.