O resultado da fiscalização do Ibama no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca, cartão postal do Litoral Sul de Pernambuco, põe em questionamento a atuação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) no caso da licença para construção do muro de tronco de coqueiros, que ultrapassou em mais de duas vezes a extensão permitida. Esta é a segunda reportagem da série Por trás do muro de Maracaípe, que a Marco Zero publica para ligar os pontos, reconstituir a linha do tempo e revelar fatos e detalhes do caso ainda desconhecidos do grande público.

As irregularidades e infrações ambientais registradas pelo órgão federal envolvem, além do empresário que financiou a empreitada, o advogado João Vita Fragoso, o funcionamento técnico da agência estadual. “As autorizações ambientais emitidas pela CPRH para a construção e manutenção do muro devem ser canceladas de imediato”, posicionou-se o Ibama, em relatório. A reportagem teve acesso ao documento e o divulga abaixo:

Em julho de 2022 a CPRH emitiu licença para a construção da barreira, com a exigência de que fosse erguida com troncos de coqueiro e sacos de ráfia, até 250 metros de extensão. A inspeção do Ibama atestou que o muro hoje tem 576 metros de comprimento.

Síntese das demais irregularidades e infrações registradas pelo órgão federal:

  • Não existe erosão costeira, razão alegada pelo empresário para solicitar a autorização ambiental.
  • A CPRH eximiu-se de realizar o estudo de impacto ambiental obrigatório. O instrumento da “autorização” é ágil, simplificado e impróprio para o caso em questão.
  • Inexistência de informações sobre a empresa responsável pela obra e falhas de execução no projeto, com risco aos frequentadores nas marés mais altas.
  • Desconhecimento da ciência costeira, como agravante de o muro ter sido erguido na foz do Rio Maracaípe.

Uma equipe de analistas federais realizou inspeção no local em dezembro do ano passado. A fiscalização aconteceu três meses depois da agência estadual vistoriar in loco e renovar, por mais um ano, a autorização ao empresário para a permanência do muro em área de desovas de tartarugas.

Dois meses após a renovação da licença, representantes da CPRH avisaram que o posicionamento seria revisto, mas não explicaram o porquê da mudança de postura da autarquia. A declaração foi dada durante audiência pública na Câmara Municipal de Ipojuca. Nessa época, novembro de 2023, começava a ganhar mais força a mobilização popular contra a permanência do muro.

Uso de sacos de ráfia é reprovado por gerar poluição

Quem visitou o Pontal de Maracaípe após o entrincheiramento dos troncos de coqueiro pode verificar sacos de ráfia já desgastados e rasgados. A reportagem esteve lá algumas vezes e constatou a decomposição do material. O uso deles pareceu inapropriado até para quem não tem a expertise de um analista ambiental e foi frontalmente questionado pelos técnicos do Ibama.

“Um aspecto que não conseguimos entender é o uso de sacos de ráfia. Trata-se de um material plástico pouco resistente a pisoteio e à radiação solar, que já está se desfazendo em detritos e poluindo toda a área de praia. Essa fragilidade do material e sua inadequação é conhecida e perfeitamente previsível, mas não foi levado em consideração no projeto, nem na autorização expedida pela CPRH”, registrou a equipe técnica do Ibama.

O que diz a CPRH

Em nota, afirmou que só vai se manifestar após o término do processo judicial que trata a questão. “Os impasses quanto ao muro do Pontal de Maracaípe estão sendo discutidos no Poder Judiciário. Por esse motivo, todos os esclarecimentos estão sendo prestados nos autos do processo através da Procuradoria Geral do Estado”. O mérito do recurso da PGE ainda será julgado pela 1ª Câmara de Direito Público do TJPE.

Ibama desconfia de “ação orquestrada” na Alepe

A fiscalização também registrou o que a equipe técnica considera ser interferência política de um deputado na Assembleia Legislativa em favor da família Fragoso, por meio do uso de informações falsas a respeito da obra e seus impactos ao meio ambiente. O relatório cita o coronel Alberto Feitosa (PL) e questiona um voto de aplausos à CPRH que o parlamentar aprovou na Casa, em função da autorização para a construção do muro.

Os técnicos verificaram o texto da justificativa da homenagem e identificaram “fake news e afirmações anticientíficas”. “Um das mais grotescas afirma que o muro de contenção marinha auxilia no controle da erosão, que pode levar à destruição da própria praia, o que já é evidenciado no Pontal dos Fragoso, bem como permite a criação de novo habitats para plantas e animais marinhos”.

O Ibama mapeou justamente o contrário: é a presença de uma intervenção como aquela que pode provocar erosão marinha.

Outra inverdade que serviu de justificativa em favor da obra, segundo a equipe de fiscais, é o trecho que diz que é preciso “enaltecer as consequências positivas que a medida já trouxe, com vídeo veiculado pela imprensa local contendo diversos pescadores celebrando os resultados de uma pesca, com mais de 500 kg de peixes, fato este que não acontecia há muitos anos”.

A reportagem fez buscas à procura do suposto vídeo e o solicitou à equipe do coronel Feitosa. Nem o localizou nas redes, nem o recebeu do parlamentar.

O requerimento do deputado foi publicado no Diário Oficial do Legislativo no dia 14 de dezembro de 2023. O texto pede para que sejam informados da decisão os irmãos João Vita e Marcílio Fragoso, o diretor de licenciamento ambiental e o presidente da CPRH, Eduardo Elvino e José de Anchieta dos Santos, respectivamente.

“Homenagear dois servidores e dois empresários, todos envolvidos em uma autorização ambiental que está sob forte denúncias e indícios de irregularidades, pode indicar uma ação orquestrada no sentido de criar falsos elementos para ludibriar a justiça com argumento de que esta obra trouxe benefícios ao ecossistema, o que não é verdade”, diz um trecho do relatório do Ibama.

Outro trecho contundente sustenta que os indícios apontam para um desvio de finalidade no pedido e na cessão da licença ambiental. “Onde o proprietário tem o interesse de cercar sua propriedade com um muro em uma área que não permite edificação, e na impossibilidade de realizar tal construção, conseguiu junto ao órgão uma autorização simples, sem qualquer estudo e licenciamento, alegando algo que não existe no local (erosão costeira)”.

O que diz o deputado Feitosa

“As informações citadas foram baseadas em um estudo realizado, a pedido da própria CPRH, conforme estudo da erosão marinha, em Maracaípe/Ipojuca, e monitoramento trimestral do balanço sedimentar. Documentos estes que atenderam, inclusive, o pedido da própria CPRH que, por sua vez, aprovou a construção do muro. Quanto à reportagem citada no voto de aplauso, não foi referenciada de forma científica”. O texto acima é a íntegra da nota enviada à reportagem pelo deputado, por meio da assessoria.

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