Golpe na Bolívia: ex-general agiu por ressentimento ao presidente, diz pesquisadora

Por Andrea DiP

Em 26 de junho passado, tanques atravessavam a Praça Murillo, sede dos poderes Executivo e Legislativo da Bolívia. As imagens de soldados adentrando o palácio do governo chocaram o mundo. Mesmo fracassada, a tentativa de golpe no país vizinho, comandada pelo ex-general Juan José Zúñiga, ressalta a instabilidade política na região. 

O evento remonta, de certa forma, ao golpe militar e policial de 2019, que resultou na renúncia do então presidente Evo Morales, que estava no poder desde 2006. Após as eleições presidenciais, protestos massivos eclodiram em todo o país, com manifestantes exigindo a anulação das eleições e a saída de Morales, que à época já perdera o apoio das forças de segurança. 

Em entrevista ao Pauta Pública, a cientista política e pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), Marília Closs, avalia o último movimento militar como uma “Ressaca do Golpismo”, um evento “peculiar”, visto que não há um fenômeno político em construção. Haveria, na realidade, um “revanchismo” por parte de Zúñiga, recém demitido da condição de chefe do Exército por suas declarações anti-democráticas contra Morales e a favor de Arce. Sem apoio do chefe de Estado, “Zúñiga se colocou com ressentimento tentando bater de frente a quem em outro momento foi leal”, diz.

Para Closs, a insatisfação política e econômica na região é fomentada também pela fragmentação do partido do atual presidente e pela dificuldade de Arce em implementar suas políticas devido à falta de orçamento. 

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.

EP 127 O que gerou a tentativa de golpe na Bolívia? – com Marília Closs

5 de julho de 2024 · Pesquisadora analisa aspectos que podem ter influenciado intentona militar

Elon Musk no golpe de 2019. Sobre esse interesse das elites, o que há de significativo, além de elucubrações sobre o assunto? 

Qualquer análise sobre a Bolívia está atravessada pela questão dos recursos naturais. Em outro momento era o gás natural, hoje em dia é o lítio, um minério estratégico no que diz respeito à transição energética a nível global. Os recursos naturais na Bolívia são estruturantes para o processo político. 

Um exemplo é o processo de construção do partido Movimento ao Socialismo, a Guerra do Gás e a Guerra da Água. Essa foi a guerra pela nacionalização dos recursos naturais, a garantia da não privatização e a soberania popular sobre esses recursos. Isso foi estruturante para o processo político boliviano. Naturalmente, tudo isso é atravessado pela geopolítica. 

Inclusive, se olharmos a formação política de alguns atores importantes para o processo político boliviano, como os sindicatos de produção da folha de coca. Essa foi a escola de formação do ex-presidente Evo Morales. O ex-presidente foi produtor de coca e essa é uma formação política muito internacionalista. Tem a antipatia ao norte global, aos Estados Unidos e ao imperialismo, que é uma de suas bases. 

Naturalmente, os processos políticos bolivianos passam pela análise dos recursos naturais, do seu papel na economia e na política do país, na relação com os interesses estrangeiros e imperialistas. No ano de 2019 isso foi muito visível, já temos a documentação no que diz respeito à participação de atores externos. 

Ao relembrar o golpe de Estado de 2019, o reconhecimento por parte do governo golpista foi imediato. Diversos países reconheceram esse governo, e o que aconteceu dias atrás é muito diferente. Não vejo relação com interesses externos, pelo menos não de imediato. 

Naturalmente, vai ter uma disputa geopolítica, interesses do norte global em cima dos recursos naturais da Bolívia. Mas esse processo político em específico não vejo relação. Acho que ele está muito mais ligado à dinâmica interna que conversamos e à crise política que o país vem atravessando.