Pernambuco confirma terceiro óbito por febre oropouche

Por Maria Carolina Santos

O aumento de casos, os primeiros registros de mortes e de novos sintomas relacionados à febre oropouche estão deixando pesquisadores brasileiros com várias perguntas. A doença não é uma novidade. A primeira vez que o vírus foi isolado no Brasil foi ainda na década de 1960, mas, até recentemente, era uma doença endêmica em povoados ribeirinhos na Amazônia, com raros surtos registrados fora dessas áreas.

Mas este ano está sendo atípico, com um aumento de quase 200 vezes na incidência em comparação aos casos notificados na última década. Pelo menos 21 dos 27 estados já confirmaram casos do final de 2023 para cá. Foram registrados 831 casos em 2023 e 7.653 em 2024.

O vírus está espalhado por todo o país, mas se apresenta com mais força no Norte: 83,2% (6.895 de 8.284, dados de maio) das infecções do Brasil foram lá. Em Pernambuco já são confirmados 122 casos da febre oropouche e três óbito de fetos – o mais recente nesta terça-feira, 20 de agosto -, de acordo com o painel do Ministério da Saúde.

Várias hipóteses – que não são excludentes, mas se somam – estão sendo levantadas e pesquisadas para explicar essa mudança no comportamento do vírus.

Uma delas é alertada há muito tempo por especialistas: as mudanças climáticas e o desmatamento, que fazem com que esses vírus avancem pelas áreas urbanas e climas mais amenos. No estado de Santa Catarina, por exemplo, já foram confirmados 176 casos neste ano. “Todas essas mudanças climáticas que aconteceram nos últimos anos sem dúvida têm favorecido que muitas dessas espécies, muitos desses vírus, façam um deslocamento maior, ampliando as áreas de risco de transmissão”, diz a pesquisadora do departamento de Entomologia da Fiocruz Pernambuco Alice Varjal.

Outra hipótese é a de que não há necessariamente um aumento tão significativo, mas sim um maior diagnóstico da doença – que, clinicamente, pode ser facilmente confundida com outras arboviroses. Isso porque, em 2023, o Ministério da Saúde descentralizou os testes que detectam a febre oropouche, que antes ficavam concentrados no Instituto Evandro Chagas, no Pará. Ou seja, até mais ou menos um ano atrás, todo caso suspeito era encaminhado para lá para ter a confirmação, o que dificultava o diagnóstico laboratorial.

Com a descentralização, os Laboratórios Centrais (Lacens) de todos os estados conseguem fazer o teste de PCR, que foi desenvolvido pela equipe do pesquisador Felipe Ravena, da Fiocruz Amazônia. O teste molecular identifica a presença do vírus se for realizado em até cinco dias após os primeiros sintomas. Os testes sorológicos para ver a presença do vírus após esse período ainda não estão descentralizados.

Uma nova cepa do oropouche

Essas duas hipóteses se somam a uma recente descoberta: o vírus mudou. A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco Clarice Morais, coordenadora do Serviço de Referência em Arboviroses, explica que a cepa do vírus identificada neste surto atual não é a mesma de décadas anteriores e sim uma combinação de dois tipos do vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV), que causa a doença.

Ela cita dois artigos publicados no final de julho com a liderança de pesquisadores brasileiros que lançam luz sobre esta nova cepa e o novo comportamento do vírus. Ambos estudos ainda estão em preprint – ou seja, ainda sem revisão de pares – e são assinados por pesquisadores de várias instituições importantes como a Fiocruz, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Uma das pesquisas sequenciou e analisou 382 genomas completos do OROV em amostras humanas coletadas entre 2022 e 2024 em quatro estados do Norte com o objetivo de rastrear a origem e a evolução genética do vírus que levou ao surto atual. As análises genômicas revelaram que a nova linhagem é a combinação de um segmento do vírus detectado na região leste da Amazônia, de 2009 a 2018, e de dois segmentos de vírus detectados no Peru, Colômbia e Equador de 2008 a 2021.

O estudo indica que essa nova linhagem provavelmente emergiu na região central do estado do Amazonas entre 2010 e 2014 e se espalhou silenciosamente durante a segunda metade da década de 2010.

o outro artigo sugere que o surto atual pode estar relacionado com uma maior eficiência de replicação desta nova linhagem do vírus, que também escaparia à imunidade por infecção anterior.

A pesquisa combinou múltiplas fontes de dados, incluindo dados moleculares, genômicos e sorológicos, com dados epidemiológicos do Brasil de 1º de janeiro de 2015 até 29 de junho deste ano. O estudo mostrou que esse novo rearranjo do vírus da oropouche replicou aproximadamente 100 vezes mais rápido nas células de mamíferos em comparação com uma cepa protótipo.

Até então, o que a ciência sabia era que havia quatro tipos do vírus da oropouche e que a infecção por qualquer um deles gerava anticorpos para proteger contra a reinfecção. Este novo estudo sugere que essa nova cepa pode infectar também quem já teve a doença.

Mas ainda não se sabe se o vírus está mais perigoso – e, por isso, capaz agora de causar mortes, como a das duas mulheres, com menos de 30 anos e sem comorbidades, na Bahia, que são os primeiros casos de mortes por oropouche já registrados. Ou se o vírus já havia causado mortes antes, mas passaram sem o diagnóstico correto, já que o exame laboratorial não era acessível.

“Como é que esse vírus age no organismo? Quais são os mecanismos para ele estar realmente causando essas formas mais graves, que antes não tinham sido evidenciadas? Com a expansão do diagnóstico é que estamos vendo esses casos mais graves, que podem ter associação com essa linhagem nova que está circulando. Com o aumento das ações de vigilância epidemiológica e das pesquisas, as respostas para essas perguntas devem aparecer”, afirma Clarice Morais.

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