Era uma quinta-feira de sol quente na Bomba do Hemetério, zona norte do Recife. Desempregada, Thayane da Silva estava na rua à procura do prefeito João Campos, candidato à reeleição no Recife. Na frente da casa dela, uma ladeira, o esgoto corria com força. Thayane carregava nos braços o filho de três anos, que recentemente recebeu um diagnóstico de autismo. Ele nunca foi para creche, porque a mãe nunca conseguiu uma vaga. “A vez que consegui era muito longe daqui de casa, não dava para levar”, contou.

Apesar desses problemas que afetam diretamente a vida dela, Thayane se derrama em elogios para João Campos. Fica desolada ao saber que ele já foi embora dali e repete por várias vezes o quanto admira o prefeito. “Queria tirar uma foto com ele, imprimir e fazer um banner”, brincou. Pergunto os motivos que ela tem para admirar o prefeito. “O trabalho dele é muito bom”, diz, vagamente. Insisto e ela cita como exemplo as creches, justamente onde o filho dela não conseguiu vaga.

É pelo celular que Thayane acompanha o trabalho do prefeito. E foi por lá que ela passou a admirá-lo.

A comunicação de João Campos nas redes sociais é vista como um caso de sucesso até pelos adversários, que o acusam de mostrar um Recife que não existe. No Instagram, o prefeito tem mais de dois milhões de seguidores. E converte essa popularidade também em votos nesta eleição: nenhuma pesquisa eleitoral o coloca com menos de 70% da intenções de votos.

“Os políticos perceberam que é muito melhor ter um fã do que ter um eleitor”, ressalta João Kamradt, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor da Faculdade Ielusc. Mas para conseguir fãs ao invés de meros eleitores, os candidatos e políticos têm que emular o que uma celebridade faz nas redes sociais.

Kamradt cita que um dos precursores desse movimento foi o ex-primeiro ministro britânico David Cameron que já nos anos 2000 se filmava ao lado da família tomando o café da manhã. “Isso parece algo simples, mas abre uma janela para intimidade daquele político”, diz o pesquisador.

“Hoje o que estamos vendo nesses elementos de celebrização da política são políticos tentando buscar lógicas, elementos visuais e narrativas que são comuns às celebridades. É uma busca para criar uma forma de narrativa que o apresente não necessariamente como um político, mas sim como um indivíduo. Alguém que deve ser admirado, almejado. Um ‘íntimo distante’, que é a ideia de uma celebridade. Os políticos mais recentes mostram sua privacidade – ainda que seja uma privacidade controlada – para dar um elemento pós-político, no sentido de ‘eu sou um político, mas isso não é toda a minha vida’”, analisa Kamradt.

O pesquisador não vê tantos elementos da celebrização sendo usados com frequência nas redes de João Campos, já que ele não mostra muito sua privacidade. “Ele é de uma família tradicional da política e tem uma vida privada que é relativamente controlada. Ele se mostra correndo, dançando, incorporando a cultura do Recife, participando ativamente da vida social da cidade. Isso é uma incorporação muito de um político tradicional, ainda que feita de forma bem atual, mas ele não dá aquele passo a mais de abrir a porta da sua privacidade”, diz.

Uma brecha na intimidade que João Campos deu nestas eleições foram os vídeos postados em colaboração com o perfil no Instagram da namorada Tábata Amaral, candidata à prefeitura de São Paulo. “Aparentemente, a gente acha que esses vídeos não contam, mas eles geram um tipo de sensação de intimidade que é muito importante para a conexão com o eleitor”, pontua Kamradt.

O prefeito que ri de si mesmo

Na identificação com a cultura local com que João Campos abastece as redes há muita estratégia por trás, aponta o professor de publicidade da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Fernando Fontanella. Isso inclui a participação de influenciadores locais, como os astros do bregafunk. No carnaval, Campos postou vários vídeos dançando ao lado do dançarino, produtor e cantor Anderson Neiff, a quem chamou de “amigo querido” e “lenda”, e que tem mais de 7,4 milhões de seguidores no Instagram.

Fontanella cita como o auge dessa estratégia o “nevou” do prefeito durante o carnaval. O vídeo de João Campos revelando o cabelo platinado no instagram teve mais de 25 milhões de visualizações.

“João Campos é um cara branco, da elite. Ele não é da periferia. Mas, a partir dessa mediação com influencers da periferia, ele consegue não parecer falso, não fica forçado. Ele consegue soar autêntico”, avalia.

Outro fator chave que ajuda a construir esse vínculo com os espectadores, e eleitores, é uma vibe – uma sensação, uma vibração – de bom humor, de sempre parecer enérgico e “pra cima”. “Ele não se leva tanto a sério. Tem uma dinâmica que você vai ver também no que o prefeito Eduardo Paes faz no Rio de Janeiro”, diz Fontanella. “João Campos corre muito risco nas redes sociais – como o de parecer ridículo. Um risco por vezes controlado, mas um risco. Há uma nova geração de políticos que topam correr mais riscos”, diz.

Profunda mudança na comunicação política

Em 2020, João Kamradt defendeu a tese de doutorado Políticos celebridades e celebridades políticas no Brasil: uma análise sobre as eleições presidenciais de 2018. Nela, mostra como o surgimento dos políticos celebridades está relacionado a uma profunda transformação pela qual está passando o conceito de representação.

“Nesse novo processo, há uma reaproximação da posição entre representante e representado. Ou seja, a cultura da fama (especialmente a partir do surgimento dos reality shows) reapresenta a ideia de que alguém que nos representa deve ser alguém como nós. Assim, compartilhará dos mesmos gostos, terá um estilo de vida semelhante e irá ter preocupações parecidas com as nossas”, escreveu na tese, que pode ser lida aqui.

Essa busca pelo fator celebridade entre os políticos decorre também pelo fatigado argumento de descrença na política. Como os eleitores já não acreditam que os candidatos e candidatas irão realmente cumprir os que estão prometendo, uma campanha baseada em propostas perde força.

“As pessoas não estão muito preocupadas com as propostas. Muitas vezes elas não têm os instrumentos para interpretar o que pode ser feito ou não, têm até dificuldade de enxergar o efeito prático de um ou outro político na vida dela porque entra prefeito, sai prefeito, mas a queixa segue igual. As pessoas estão interessadas em linhas gerais”, afirma Fontanella. “Começamos a escolher políticos muito pela vibe, tanto na esquerda como na direita”, acrescenta.

Kamradt reforça que hoje os eleitores estão buscando elementos culturais em comum para validar moralmente os políticos. “Então, por exemplo, se você conhece uma pessoa que gosta do seriado The Office, você vai ter uma imagem de qual o tipo de humor que ela tem. É como conhecer uma pessoa nova: a gente vai fazendo pequenos julgamentos baseados em uma série de elementos culturais que essa pessoa vai apresentando”, explica.

Karmadt não acredita, contudo, que o argumento da descrença política explica a totalidade do que vem acontecendo nas últimas eleições: trata-se de uma mudança mais profunda na comunicação.

“É um argumento muito utilizado de como a descrença política leva quase a uma antipolítica. A descrença política que a gente está falando também decorre de uma incapacidade nossa de compreender que tem outros elementos comunicacionais que estão alterando a perspectiva de como é feita a política atual”, diz. “Estamos vendo um Pablo Marçal (um ‘antipolítica’) atrás do outro e me parece que isso está virando meio que uma normalidade. Tem muito mais a ver com uma nova lógica midiática que, na minha visão, ainda não conseguimos compreender totalmente”, destaca.

Se 2018 foi a eleição do Instagram, o pesquisador acredita que esta é a eleição dos cortes do TikTok. E qual é a mudança de uma para a outra? “Cada uma das ferramentas tem funções distintas. Por exemplo, uma publicação para o story tem uma lógica visual e uma narrativa distinta do que aquilo que vai para o feed. Não é todo mundo que compreende isso. Só que isso modifica a forma como você vai se comunicar. O TikTok é um tipo de comunicação que geralmente precisa de um engajamento muito mais presente. Apesar de Marçal ser um coach com muitos seguidores, não era para ser um cara tão relevante assim nessa disputa em São Paulo. Mas ao utilizar a rede social a seu favor, fazendo confronto – e confronto gera engajamento nas redes –, ele conseguiu mobilizar a eleição em volta do nome dele, utilizando elementos que estão presentes nas redes sociais”, analisa.

Um político que sabe escutar

Assim como as celebridades da internet, os políticos não podem deixar de lado as redes sociais sob o risco de perderem relevância. É uma campanha permanente, que não acontece apenas no período eleitoral. Fernando Fontanella credita o sucesso de João Campos nas redes sociais à adoção de práticas atualizadas – algo que os políticos locais ainda não conseguem explorar bem.

“Na verdade, no Brasil estamos meio desatualizados no uso de tecnologias e dos saberes que o marketing de influência e de mídias sociais têm produzido. E João Campos usa essas boas práticas de forma muito competente”, diz.

Um exemplo que Fontanella dá é ainda o da primeira campanha de Barack Obama, em 2008, a do “Yes, we can”, que já foi mais baseada nessa concepção de vibe do que de propostas. “Me dá a impressão que na comunicação do João Campos eles estudam vários casos que deram certo e vão aplicando isso no perfil dele. Mas sabendo fazer, porque não é só copiar. Eu acho que eles estão sabendo muito bem fazer a adaptação para o cenário recifense”, diz.

Um dos trunfos de João Campos, afirma Fontanella, é que ele ouve a equipe de comunicação dele. “Qualquer profissional que trabalhe com marketing político vai dizer que uma das grandes dificuldades dessa área é o próprio político. Geralmente, tendem a ser muito centralizadores e então é difícil que eles escutem a estratégia do pessoal de marketing. O oposto também acontece: candidatos que se entregam demais e aí viram um boneco, tudo meio artificial”, compara.

Para Fontanella, o prefeito do Recife sabe manter um equilíbrio nos bastidores. “João Campos é um cara que ao mesmo tempo que vem de uma dinastia política, que vem sendo preparado desde muito novo, quem trabalha com ele diz que ele escuta muito, que não é um político que acha que sabe mais de marketing que a equipe. Ele combina um certo saber se portar com estar bem assessorado”, afirma.

Outro ponto que não dá para deixar de lado é como as redes sociais de João Campos exploram o fator “candidato bonito”. Neste fim de semana, por exemplo, foi postada uma foto de João Campos tal qual “super-homem”, flexionando os bíceps. Na inauguração do parque da Tamarineira, João Campos se molhou nas fontes d’água usando uma camisa branca. “É um fator importante e as pessoas têm até vergonha de falar sobre isso. Mas faz parte da presença digital de João Campos ter uma aparência que as pessoas acham bonita, isso gera um caráter de influencer também. Mas você não pode dizer que isso começa com as mídias sociais, porque sempre houve esse fenômeno do candidato acusado de fazer esse tipo de apelo da beleza”, diz Fontanella.

Há outra acusação frequente contra as redes de João Campos, que nem de longe é uma novidade: a de apresentar um Recife que não existe, ou com um recorte muito específico. “Tem um campo da ética que não muda se você está usando marketing digital tradicional ou de influência, é sempre o mesmo. Eu acho que é importante debater isso, porque muitas vezes se olha o que João Campos está fazendo nas mídias sociais e se diz que é fantasia, principalmente a oposição diz isso. Mas quando você olha a propaganda política tradicional, ninguém estava mostrando a realidade também. Nesse sentido, ele não está fazendo uma coisa nova. O que é diferente é que o que ele está fazendo está dando certo”,

Há pontos fracos, mas oposição parou no tempo

Mas se João Campos está nadando de braçada nas redes sociais e nas pesquisas eleitorais, a culpa também é da concorrência. Para Fontanella, todos os demais candidatos à prefeitura do Recife fazem um marketing político tradicional, sem novidades ou capacidade de engajamento nas redes sociais.

“João Campos vem construindo as condições para essa reeleição há anos e você vê os opositores dele completamente despreparados. Me parece que a equipe de Dani Portela (PSOL) sacou o sistema dele, mas ainda não tem uma linguagem estudada, não tem um volume de mídia para se contrapor, não tem investimento. O próprio candidato do PL, o Gilson Machado, se comunica muito mal. Ele tenta imitar algumas coisas do Bolsonaro, mas não tem discurso, nem no marketing tradicional ele está fazendo alguma coisa consistente”, avalia.

“Não estou dizendo que a comunicação de João Campos é ruim, eu acredito que é boa, mas ele está ganhando por WO. Seria interessante vê-lo concorrer com alguém que tem uma boa capacidade de comunicação. Não podemos nos iludir e achar que é um gênio do marketing. Ele está fazendo tudo certo, mas é importante pontuar que ele está no microcosmo do Recife. É um influenciador que está muito impulsionado pela máquina. Ele viralizou dançando lá no Marco Zero no Carnaval, mas ele é o prefeito, claro que vai ter um destaque. Ele sabe usar muito bem a linguagem do Recife Ordinário, de shitposting, só que esses perfis também recebem dinheiro público para publicidade da Prefeitura do Recife. Não dá pra ignorar o fato de que ele está sendo beneficiado, que tem toda uma máquina por trás”, lembra.

Entre os pontos fracos, Fontanella explica que João Campos trabalha muito o aspecto da atração e da atenção, mas que deixa a desejar na retenção. “Ele não trabalha tanto o aprofundamento, nada garante que amanhã ele vá ter um capital político que vai permanecer”, diz o especialista, citando como exemplo as deputadas Erika Hilton e Tabata Amaral. “Elas desenvolvem mais a questão do funil de atração: de ter essa atração com um conteúdo mais rápido, como um vídeo no TikTok, e depois fidelizar o público, os eleitores, com um conteúdo mais aprofundado, como um vídeo no YouTube”, diz.

Assim como as celebridades correm o risco da super exposição, do público se cansar ou enjoar da imagem delas, os políticos que estão super expostos nas redes sociais também correm o mesmo risco. “É impossível você manter esse pico de atenção por um longo prazo. Casimiro [o youtuber e streamer Casimiro Miguel] é um bom exemplo: assim que ele explodiu começou a construir uma outra área de atuação, a Cazé TV”, diz. “Para mim o grande desafio do João Campos é como é que ele vai manter esse capital político que ele criou com as mídias sociais. Ele vai ter que fazer estratégias para fidelizar esse público que ele tem”.

Para João Campos alçar voos mais altos, como o Governo de Pernambuco, será necessário ampliar a influência dele para além do microcosmo do Recife – isso falando essencialmente de comunicação. “Raquel Lyra tem uma presença digital muito fraca. A não ser que ela mude muito rápido, e eu não sei se ela tem esse tempo, vai ser uma disputa difícil para ela. João Campos já tem uma mensagem preparada. Ele pode só fazer quase um ‘ctrl-c, ctrl-v’ da estratégia e procurar influenciadores no interior para trabalhar a imagem dele, assim como fez no Recife”, analisa. “Vamos ter um teste daqui a dois anos e estou curiosíssimo”. Estamos todos.

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