Com Gilson Machado, bolsonarismo chega esvaziado e isolado ao final da campanha

Por Raíssa Ebrahim

A votação expressiva em Gilson Machado (PL) para o Senado em 2022 no Recife, com 323.769 votos (39%), parecia que iria pavimentar um caminho mais favorável ao bolsonarismo nas eleições para prefeito da capital. Mas, a poucos dias do pleito, o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro amarga a maior rejeição entre os candidatos, de 47%, segundo a pesquisa Datafolha publicada nesta quinta-feira, 3 de outubro. Entre uma estratégia de comunicação que tenta parecer espontânea — porém é tosca —, um perfil sem carisma e delírios que tentam associar João Campos (PSB) ao comunismo e o Recife à Venezuela, os planos de Gilson não saíram como o esperado.

Ele é o principal opositor do prefeito, que, segundo as pesquisas, deve se reeleger com folga no domingo (6). O levantamento do Datafolha mostra João com 74% das intenções de voto, uma leve queda em relação à pesquisa anterior (76%). Gilson subiu um pouco, passou de 9% para 10%.

As previsões estão refletidas nas ruas. A reportagem acompanhou uma agenda de Gilson na última quarta (2), no Alto Santa Terezinha, zona norte da capital. O público se resumia praticamente à militância paga — que recebeu R$ 75 para segurar bandeira, pirulito e distribuir panfleto e R$ 50 para motoqueiros —, além das equipes de campanha de três candidatos: a do próprio Gilson e a de dois candidatos a vereador, Gilson Machado Filho e Netinho Eurico, ambos do PL.

Sua última inserção no guia eleitoral da TV foi tão desoladora quanto a aparição nas ruas da zona norte. Nela, o ex-presidente Jair Bolsonaro apareceu em vídeo admitindo que Gilson estava “sozinho”, responsabilizando o PL por ter abandonado seu ex-ministro. Em Pernambuco, o caixa do PL é controlado pela família Ferreira, cuja principal liderança é o ex-prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira.

As queixas de Bolsonaro e Gilson Machado são reais. Segundo as informações de prestação de contas disponíveis no site do TSE, o candidato a prefeito recebeu do fundo partidário, logo no início da campanha, R$ 6 milhões. E ficou por isso mesmo, pois, segundo o presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, repassar mais seria “rasgar dinheiro”. Seu filho não recebeu nada do partido, enquanto o vereador Fred Ferreira, cunhado de Anderson, recebeu quase R$ 1,3 milhão.

A reportagem entrevistou o candidato do PL para saber como ele tem avaliado a sua elevada rejeição e a quebra de expectativas. “As pesquisas, em 2022, um dia antes da eleição, me mostravam com nove pontos. Uma rejeição altíssima, igual a do presidente Bolsonaro. Quando abriram as urnas, eu tive 30 pontos (em Pernambuco)”. Mas o bolsonarista acha que ainda vai surpreender o Recife. “Eu não tenho dúvida. Em 2020, no segundo turno para prefeito, 500 mil eleitores não foram votar. Inclusive, eu fui um deles. Entre Marília Arraes e seu primo, quer dizer, entre o ruim e o pior”, alegou.

“Você acha que esse pessoal, agora no primeiro turno, foi convencido pela competência dessa gestão? Esse cara (João Campos) é um mitomaníaco. Ele gastou R$ 100 milhões para falar bem da gestão dele mesmo e esqueceu a cidade. A cidade está acabada, como todo mundo vê, como o turista que sai daqui fala, como a senhora que chega no posto de saúde e não tem remédio sente. E a gente vai ver a resposta que ele vai ter na urna. Ele não está dormindo por causa disso. Porque ele sabe que esse pessoal vai ter em quem votar no dia 6”, criticou.

Além de atacar o prefeito, ele explora, em suas peças e discursos, críticas a Geraldo Julio e ao ex-governador Paulo Câmara (desfiliado do PSB) para tentar conquistar eleitores que reprovam os dois nomes. É a “turma de Geraldo e Paulo”, como diz. O PSB entrou na prefeitura do Recife em 2013, com dois mandatos de Geraldo Julio e um de João. Além de ter comandado o Governo do Estado de 2007 a 2020, com Eduardo Campos e depois Paulo.

Quando questionado sobre os planos políticos após a derrota deste ano, Gilson citou Deus: “Meu Deus é o Deus do impossível. É o Deus que acompanha seu filho. É o Deus que acompanha quem trabalha, quem persevera. Então eu vou para o segundo turno e vou ser prefeito do Recife. Meu plano é ser prefeito do Recife”.

Rejeição a Gilson, rejeição a Bolsonaro

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Ferraz faz uma análise dos últimos anos sobre o voto conservador do recifense. Em 2018, quando Bolsonaro foi eleito, ele teve, no primeiro turno, 43% dos votos válidos. No segundo turno, 47%. Em 2022, quando perdeu para Lula (PT), somou 39% dos votos no primeiro turno no Recife e chegou a 43% no segundo. A votação que Gilson deve alcançar está infinitamente aquém dos resultados alcançados pelo seu mentor.

Olhando para as eleições passadas para prefeito da capital, os dois principais candidatos da direita, Mendonça Filho (União Brasil) e Delegada Patrícia (PSDB), tiveram, respectivamente 25% e 14% dos votos válidos no primeiro turno. Juntos, somaram 39%, um resultado mais alinhado às votações alcançadas por Bolsonaro e do próprio Gilson na disputa para o Senado em 2022.

“O que podemos concluir é que Gilson Machado está bem abaixo do patamar tradicional de votos que a direita tem tido no Recife desde 2018”, diz Sérgio. Na avaliação dele, a candidatura de Gilson não decolou, seja pelo próprio perfil do bolsonarista, com uma estratégia errática e uma comunicação caótica — que desliza facilmente para o folclore —, seja por João ser um prefeito muito bem avaliado, com uma comunicação bem sucedida e de uma linhagem política e familiar tradicional.

Cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Túlio Velho Barreto também aponta para o enfrentamento com um candidato com sobrenome de peso, bem posicionado e avaliado, no online e no offline, e lembra a postura caricatural adotada por Gilson nas campanhas.

Um levantamento feito no final de setembro pela Codecs Score, empresa especializada em análise de cenários digitais e reputação, e publicado pela Folha, mostra que João superou oito vezes o total de interações (1.466.243) em suas redes sociais (Instagram e Facebook) na comparação com as redes de Gilson e Daniel Coelho (PSD), este último candidato na governadora Raquel Lyra (PSDB), com apenas 5% das intenções de voto, segundo o Datafolha desta quinta (3).

O levantamento da Codecs Score também mostrou que, enquanto João praticamente não cita os adversários, Gilson atacou o prefeito em 25% de seus 24 posts nesse mesmo período.

“Em Pernambuco, talvez o ex-ministro Gilson Machado seja o político mais associado a Jair Bolsonaro, mais identificado com o ex-capitão. Não apenas por ter sido um dos mais fiéis aliados dele, participando de suas lives, por exemplo, mas igualmente por procurar imitá-lo, até mesmo de forma patética, no reacionarismo extremado. Mas também inventando trejeitos, aliás, adotando os trejeitos que têm caracterizado os atores políticos da extrema-direita, aqui e no mundo afora, no discurso e na postura. Basta lembrar o comportamento e o discurso de Donald Trump e de Milei, o presidente argentino”, comenta.

“Não deve surpreender a rejeição da candidatura de Gilson Machado, que, na verdade, tem cumprido um papel meio folclórico nesta eleição. E devemos lembrar que sempre tem alguém ocupando esse espaço”, complementa Túlio, recordando que o eleitorado recifense tem historicamente rejeitado nas urnas candidatos com perfis claramente direitistas. Os últimos eleitos foram Joaquim Francisco e Roberto Magalhães, na década de 1990 — mesmo assim com perfis mais próximos de uma direita liberal, pelo menos quando foram eleitos.

Falta carisma e sobram trapalhadas

Por ter menos verba e estar lutando contra a máquina do prefeito João Campos, Gilson Machado naturalmente termina tendo menos pontos de contato com o eleitorado. “Ele aparece menos e tem menos possibilidade de impulsionamento. Então, principalmente do ponto de vista do marketing político tradicional, ele é o cara que está lutando contra uma força financeira de volume de comunicação que é muitíssimo maior que ele”, analisa o professor de publicidade da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Fernando Fontanella.

O bolsonarista precisou fazer um trabalho árduo de conquistar a atenção do eleitorado já capturada pelo seu opositor. Confira mais análises de Fontanella na matéria da Marco Zero “As razões do sucesso da ‘vibe’ de João Campos”.

A impressão que o professor tem, olhando de fora, é que a intenção estratégica de Gilson é fazer uma comunicação que seja mais espontânea, que tente criar uma aproximação com o público, contrastando com a do prefeito. Enquanto o prefeito tem um marketing mais profissional e produzido, com lógica de influenciador digital, o candidato de Bolsonaro parece tentar ir na contramão.

“Gilson me parece que tenta mais colar uma imagem de ‘olha, eu sou espontâneo, eu sou como vocês, o povo parte do povo’. E, nesse sentido, ele se permite aparecer nos vídeos descabelado, falar não tão ensaiado, aparecer meio pateta em algumas filmagens, porque o espontâneo é o cara que se permite cometer gafe, cometer equívoco, ficar numa foto sem a luz adequada, por exemplo”, compara Fontanella.

“Isso me parece uma estratégia que cola muito no que é o perfil de comunicação de Bolsonaro. A gente tem que lembrar que Bolsonaro fez uma campanha inteira que parecia que não tinha nenhum tratamento profissional”, recorda, citando que Bolsonaro apareceu no pós-eleição em casa, com um terno, de bermuda, numa prancha de surf improvisada como palanque.

“O problema é que Gilson não tem o carisma que Bolsonaro tem — e muitas vezes é difícil atribuir a Bolsonaro a condição de figura carismática”, observa.

“Termina que a comunicação do prefeito, que é toda marketing, soa mais autêntica do que a campanha de Gilson, que acaba parecendo muito atrapalhada”, conclui Fontanella, chamando a atenção para o fato de que o talento de Gilson para o improviso tende a zero. Recentemente viralizou na internet um trecho da sabatina do UOL em que o candidato, ao responder uma pergunta, canta uma música africana que ele diz ter aprendido com a empregada doméstica.

“É oferecer de bandeja para a oposição, para os detratores um material que vai ser editado, enquadrado”, diz o professor. Apesar de contra atacar Gilson não ser nem de longe a estratégia de comunicação de João.

Fontanella chama atenção ainda para o timing das plataformas: “A lógica de Gilson é uma lógica mais de meme e de espalhamento pelo ridículo. Eu não sei se intencional, e isso me parece fora de tempo, mas ele parece não saber usar as plataformas, não saber usar o vídeo. Fica parecendo que ele está despreparado, uma coisa até datada no sentido de que parece um tiozinho querendo ser da galera, e aí ele soa deslocado”.

“Enquanto que João Campos acaba usando uma linguagem em que está integrado àquela cultura em que tenta se inserir. E mesmo ele sendo um cara branco, da elite pernambucana, ele consegue soar crível se interagindo, por exemplo, com a cultura de periferia do Recife, enquanto Gilson está tentando fazer umas piadinhas de tiozão. E não funciona, cria um contraste ruim”, conclui.

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