Movimentos sociais vencem lobby empresarial e Lula inclui redução de agrotóxicos em novo plano de agroecologia

Por Inácio França

Movimentos sociais vencem lobby empresarial e Lula inclui redução de agrotóxicos em novo plano de agroecologia

O convite para o lançamento dos planos nacionais de Abastecimento Alimentar e de Agroecologia e Produção Orgânica, no Palácio do Planalto, só começou a circular na manhã de segunda-feira, 14 de outubro, mas as organizações sociais que trabalham com esses temas já previam que no Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro, o governo Lula apresentaria os dois documentos ao público. Até o último momento, no entanto, os ativistas não arredaram pé da inclusão do programa de redução de agrotóxicos em um dos planos, o de Agroecologia, o que acabou acontecendo.

Por essa razão, representantes das organizações e movimentos sociais dizem que há motivos para comemorar, pois os dois planos são considerados “conquistas da sociedade”. O Plano de Abastecimento será o primeiro do tipo na história do país.

O agrônomo e doutor em Estudos Ambientais Paulo Petersen, coordenador-executivo da ong AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia e integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) afirma que é preciso celebrar. “O alimento não pode ser tratado como uma mercadoria como outra qualquer. Se a alimentação for regulada apenas pelo mercado, parcelas importantes da sociedade seguirão passando fome ou só terão acesso aos produtos ultraprocessados vendidos nas grandes redes de supermercados. Permanecerão sem acesso a alimentos saudáveis e adequados”, afirma.

No Mato Grosso, a conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Cidinha Moura, os dois planos são consequência de 20 anos de discussão sobre a necessidade de uma política de segurança alimentar. “É mais do que uma vitória”, resume a conselheira, que também é coordenadora da ong Fase no mesmo estado do ministro Fávaro.

“Para nós do movimento agroecológico os dois planos juntos são fundamentais para fortalecer as iniciativas em agroecologia no Brasil, pois, além de políticas de produção de alimentos, precisamos de políticas capazes de construir mercados para a agricultura familiar e para agricultura agroecológica”, explicou Cidinha Moura.

Petersen também participou das discussões e oficinas populares que subsidiaram o governo na elaboração dos planos. Para ele, “o Estado precisa intervir no mercado ao estimular a produção diversificada e saudável, garantir compras institucionais, preços mínimos, estruturas descentralizadas de estocagem de alimentos, e outras medidas necessárias para que cumpra sua função regulatória. Esses planos criam essaperspectiva”.

Outro desdobramento dos planos será, na visão do coordenador da AS-PTA, a possibilidade de criação de políticas de produção local para fomentar sistemas de abastecimento territoriais, ou seja, onde os mercados consumidores estejam próximos às famílias produtoras. “Mais feiras livres, menos atacarejos”, resume o agrônomo.

A força do lobby do agro

Paulo Petersen conta que o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia já deveria ter acontecido antes, mas foi adiado quatro vezes, por pressão do Ministério da Agricultura, que não aceitava a menção à redução dos agrotóxicos. O nome do ministro Fávaro, aliás, não aparece no convite oficial (abaixo), assinado pelos ministros Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário; Wellington Dias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e Márcio Macedo, secretário-geral da Presidência da República.

Quando, em meados de setembro, o presidente Lula se manifestou contra o grande consumo de agrotóxicos no Brasil, os defensores da agroecologia se animaram, entendendo como um sinal que o plano de agroecologia e produção orgânica finalmente seria lançado, incoporando o programa de redução do uso de venenos na agricultura. O plano saiu com o programa, mas há o risco do capítulo referente à redução dos agrotóxicos virar letra morta, afinal há pelo menos 10 anos o Ministério da Agricultura vem boicotando o programa de redução de agrotóxicos, como informou em agosto o site O joio e o trigo.

O coordenador da AS-PTA acredita que é uma questão chave é entender que a defesa do uso de agrotóxicos interessa mais às indústrias químicas do que os agricultores, mesmo os grandes fazendeiros. “O programa de redução de agrotóxicos não é uma proposta radical, que veta os venenos de uma vez por todas, nada disso. Seria um programa que contribuiria de imediato com o agronegócio que poderia produzir com menos contaminantes e a preços mais baixos ao utilizar inovações de base agroecológica já disponíveis, mas que estão bloqueadas pela pressão das indústrias de agrotóxicos para que elas continuemlucrando”explica.

O problema, segundo ele, é que são as indústrias que financiam as campanhas eleitorais das bancadas parlamentares defensoras do veneno.

Cidinha Moura sabe de perto como isso funciona. “Nós dos movimentos aqui no Mato Grosso, conhecemos bem de perto a estratégia do agronegócio. O ministro Fávaro sempre foi de receber em seu gabinete as indústrias de agrotóxicos e, em todos os momentos ele faz a defesa dessas empresas com veemência mesmo. Por isso, nós imaginávamos que a luta seria árdua, mas que não seria tanto como foi”, desabafa a conselheira do Consea.

Dois anos para planos saírem do papel

De acordo com Islândia Bezerra da Costa, diretora de Apoio à Aquisição e à Comercialização da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, apesar do plano de abastecimento alimentar não citar os agrotóxicos, deixa implícito a intenção de reduzir seu uso quando fala “em sistemas alimentares e sustentáveis e em transição agroecológica”. As duas coisas excluiriam os agrotóxicos.

A diretora assegura que o Ministério de Agricultura e Pecuária, mais conhecido pela sigla Mapa, terá papel importante na execução do plano. “Estão previstas ações específicas para o Mapa, especialmente voltadas para o público da agricultura familiar, como a inclusão produtiva das normas sanitárias [estender as ações da Vigilância Sanitária à agricultura familiar]. O Mapa se comprometeu com essa ação e isso é muito simbólico, afinal historicamente o Mapa opera é direcionado para grande agricultura”, explicou.

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