O Espaço Ciência é uma joia de Pernambuco: um gigantesco museu interativo de ciência e tecnologia a céu aberto. Com 120 mil metros quadrados entre o Recife e Olinda, o local oferece uma ampla variedade de equipamentos para auxiliar no aprendizado de temas complexos. Como o slogan já diz, é para se divertir aprendendo. Mas quem vai hoje ao local encontra muitos equipamentos sem funcionar, quebrados e inoperantes.

A Marco Zero visitou o espaço neste mês e conversou com monitores. A palavra “sucateamento” foi recorrente nas conversas. Na área que explica a relatividade, a televisão com um vídeo sobre a teoria de Albert Einstein está sem funcionar há meses. O experimento sobre o princípio da relatividade de Galileu teve um carrinho roubado e também está há meses sem funcionar.

Há toda uma seção de monitores e televisores desligados na área interna do prédio em formato de pirâmide, projetado pelo escritório do arquiteto Acácio Gil Borsoi. Fios se acumulam e as paredes exibem os desgastes do prédio. A sinalização também é cheia de falhas, com letras que há meses estão faltando.

A área externa do Espaço Ciência acumula ainda mais equipamentos fora de uso. O experimento da alavanca de Arquimedes sofreu oxidação e não foi mais reposto. Na parte da pré-história falta pintura e sinalização. O vulcão, onde se podia entrar, está interditado. O experimento sobre as placas tectônicas parece abandonado há bastante tempo. Na área com o mapa de Pernambuco pintado no chão, há inúmeras cidades com nomes ilegíveis.

“É um lugar feito para pisar e é natural que as letras se apaguem com o tempo. Mas muita coisa da sinalização do Espaço Ciência está se apagando e não está mais ocorrendo a repintura”, reclamou um dos monitores, que preferiu não se identificar.

Outra questão levantada pelos monitores ouvidos pela reportagem é a segurança da imensa área – um deles afirmou que já houve assalto dentro da área do museu – e a acessibilidade, prejudicada pela falta de manutenção. “A parte principal que necessita no museu é a acessibilidade, porque para pessoas cadeirantes a locomoção pelas trilhas está ficando cada vez mais complicada”, afirmou outro monitor.

No governo de Raquel Lyra (PSDB), algumas exposições foram totalmente desmontadas, como a Revolução dos Bichos, que ficava na entrada do espaço, e a da história da química, por exemplo.

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Fim dos financiamentos de instituições de pesquisa

O Espaço Ciência começou a ser gestado por um grupo de cientistas em 1993. O professor Antônio Carlos Pavão, do Departamento de Química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi um dos fundadores e o primeiro gestor do local. Ficou à frente do Espaço Ciência por 28 anos até ser demitido, por recado, quando Raquel Lyra assumiu o Governo do Estado, em janeiro de 2023.

Um dos trunfos da gestão de Pavão – que atravessou vários governos no cargo – era conseguir projetos de financiamento para o Espaço Ciência, além da verba que vinha do Governo do Estado. Logo no começo, conseguiu US$ 4 milhões junto à extinta Fundação Vitae, uma ajuda essencial para elaborar o conceito do museu, com a contratação de consultores como o físico e museólogo espanhol Jorge Wagensberg (1948-2018), diretor por décadas do inovador Museu da Ciência de Barcelona.

Antes de ser demitido, Pavão já estava com três projetos aprovados por instituições de fomento, o que garantiria cerca de R$ 1,5 milhão para o Espaço Ciência. “Havia um projeto de uns R$ 300 mil para a realização da feira de Ciência Jovem. O outro era o do torneio virtual de ciência, que era para fazer desafios, tipo uma competição. E o terceiro era para fazer novas exposições do Espaço Ciência e algumas reformas. Ia dar um banho de loja no Espaço Ciência com novas exposições”, contou Pavão em entrevista a Marco Zero.

Esse terceiro projeto era o de maior valor, aproximadamente R$ 800 mil, já aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Espaço Ciência não possui CNPJ próprio e os financiamentos eram capitaneados por Pavão, como professor e pesquisador da UFPE.

Ao ser demitido de repente, Pavão chegou a propor à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) de Pernambuco, responsável pelo Espaço Ciência, uma troca de titularidade do projeto. A Secti recusou. “Disseram que iam fazer investimento próprio e não precisavam desse recurso”, contou. Pavão então conseguiu mudar junto ao CNPq a instituição beneficiada do projeto, passando a ser a UFPE.

Número de visitas em queda

De acordo com a Secti-PE, de janeiro de 2024 até o começo de novembro, o Espaço Ciência recebeu 1.015 escolas e 49.543 visitantes, o que dá uma média de 4,9 mil visitantes por mês, se contarmos apenas os dez primeiros meses. O museu também passou a abrir durante os feriados. 

Em 2019, quando completou 25 anos, o Espaço Ciência divulgava que recebia 120 mil visitantes por ano, o que dá uma média de 10 mil visitantes mensais. 

“Vamos usar o dinheiro daquele financiamento em um projeto para montar o Museu de Ciências Exatas no Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) da UFPE”, conta. O projeto inclui a construção de um planetário e um conceito novo, o de ‘musealização do laboratório’.

“As universidades geralmente têm algum programa para abrir as portas para visitação, mas isso acontece, por exemplo, somente durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. A ideia desse projeto, que eu estou chamando de musealização do laboratório, é criar um ambiente na universidade para você visitar o local onde se faz ciência”, conta, adiantando que a ideia também é levar estudantes para fazer visitas.

Pavão esclarece que não é uma tentativa de competir com o Espaço Ciência. “Nem de longe. Mas foram quase três décadas ali, fazendo aquilo. Foi um grande aprendizado em divulgação científica”, diz o pesquisador, que defende que a direção de um museu como o Espaço Ciência seja ocupada por um cientista. O responsável pelo Espaço Ciência hoje – o nome do cargo mudou de diretor para gerente – é Maurílio dos Santos, que se apresenta como gestor administrativo e financeiro.

Governo quer apoio de empresas privadas e requalificação

Em nota enviada a Marco Zero, a Secti afirmou que toda a estrutura do Espaço Ciência tem recebido “reparos, recuperações e manutenções, além de reformas pedagógicas”. E que o Espaço Ciência é mantido através de recursos orçamentários estaduais, mas que firmou parcerias com instituições privadas, “como o Grupo Moura, que doou baterias para alguns dos experimentos do Museu, e o Banco Itaú, um dos principais patrocinadores da Ciência Jovem, uma das maiores feiras de ciências do Brasil, idealizada pelo Espaço Ciência e que acontece em dezembro”.

Visite o Espaço Ciência!

Ainda que não esteja no seu melhor momento, o Espaço Ciência é um museu incrível, com equipamentos que podem ser apreciados por pessoas de todas as idades.  Os monitores são ótimos e explicam muito bem os experimentos. A entrada é gratuita.

Não há lanchonete no local, mas há alguns ambulantes e dá para levar comida e fazer um piquenique. O local é muito bonito, com uma natureza exuberante, à beira de um manguezal.

Confira o horário de visitação: 

Terça a sexta-feira, das 08h às 17h (última entrada às 16h);
Sábado e domingo, das 13h às 17h (última entrada às 16h)

Para grupos acima de 15 pessoas, é necessário agendamento prévio.

Endereço: Parque Memorial Arcoverde – Complexo de Salgadinho, Olinda. A entrada para carros é na frente do Centro de Convenções de Pernambuco.

Mais informações: www.espacociencia.pe.gov.br

A secretária afirma que contratou neste ano mestres e doutores nas áreas de ciências humanas, biológicas e exatas para o desenvolvimento de novos projetos para as exposições e, ao mesmo tempo, foram implementadas atividades de pesquisa junto aos monitores do Museu, selecionados por meio de edital da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).

Os monitores são estudantes universitários. De acordo com a nota da secretaria, são hoje 65 monitores distribuídos no Museu e no Observatório do Alto da Sé, que fica no sítio histórico de Olinda.

A nota reconhece que os equipamentos “demandam cuidados frequentes para garantir seu bom funcionamento” e informa que em 2024 “foram investidos cerca de R$100 mil na manutenção do Museu para serviços que abrangem desde a conservação das exposições permanentes até os custos com limpeza, vigilância, e a manutenção preventiva das instalações elétricas e hidráulicas”. Pavão considera esse valor muito pouco – dá R$ 10 mil por mês.

Desde que foi exonerado, ele não voltou mais ao Espaço Ciência. “Não tive oportunidade de voltar. Mas eu vejo as pessoas falarem dos problemas. É um desafio montar um museu de ciências e é um desafio maior ainda mantê-lo. O museu de ciência é interativo: as pessoas mexem, tocam, pisam. Então, tem que ter uma manutenção muito eficaz”, diz.

Sem citar datas ou valores, a nota da Secti ainda afirma que a gestão estadual vem avaliando a viabilidade de um projeto de requalificação do Espaço Ciência, para a “modernização de diversos espaços e a atualização de várias exposições interativas”. Uma equipe contratada pela Secti já fez uma entrevista com Pavão. “É um equipamento que é uma conquista para a sociedade e precisa ser preservado e melhorado. Foi um lugar construído e mantido com muitas mãos. Quero muito que o Espaço Ciência continue cada vez melhor”, disse.

A estranha doação de mais de 8 mil metros quadrados

Há dois anos, no apagar das luzes do governo Paulo Câmara (PSB), o Espaço Ciência se viu ameaçado. A lei estadual nº 17.940/2022, que tramitou em caráter de urgência e foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), prevê a doação de mais de 8,2 mil metros quadrados de área construída do museu para a instalação de um cabo submarino e um data center de uma empresa privada.

Em novembro daquele ano, o então diretor Ricardo Pavão recebeu com surpresa uma carta para desocupar o espaço – todo ele do lado recifense do Espaço Ciência, o menor lado, e onde fica uma réplica de um avião entre outros equipamentos. Pavão, então, lutou contra a mutilação do museu, procurando o Ministério Público de Pernambuco e a imprensa.

Várias movimentações foram feitas. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) encaminhou um ofício ao Governo de Pernambuco alegando que quaisquer intervenções na localidade teriam que ser “precedidas de análise técnica e anuência da autarquia”, o que não havia ocorrido. Isso porque o museu se encontra no entorno da paisagem do Sítio Histórico de Olinda, que é Patrimônio Cultural Mundial, em um projeto paisagístico de Burle Marx. Ou seja, não pode haver construções que interfiram na visão do Sítio Histórico.

Já o Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO-PE) pediu ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) a suspensão da doação, alegando que o processo apresentava erros, falta de transparência e risco ao patrimônio.

A área doada tinha um valor avaliado em R$ 16 milhões e a análise do MPCO descobriu que as duas empresas beneficiárias da doação – Seacable Serviços de Telecom Ltda e Sea Datacenter Tratamento de Dados Ltda – tinham capital declarado na Receita Federal de apenas R$ 10 mil reais cada. Além disso, o endereço dado por elas como sede era inexistente.

Mesmo assim, as duas empresas – que depois foram representadas nos autos pelo consórcio Recife Datacenter Tratamento de Dados – prometiam um investimento de “mais de 300 milhões de reais para o Município do Recife, conforme divulgação oficial da Prefeitura do Recife à época”, dizia o MPCO.

Outro ponto questionado pelo MPCO foi que a área pertence à União e não foi ainda formalmente transferida para o Estado de Pernambuco, “a despeito da existência de negociação com a União desde 1994”. A doação também seria feita pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), uma sociedade de economia mista, da administração indireta do Estado, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDEC). Na época, Geraldo Julio (PSB), ex-prefeito do Recife, estava à frente da pasta. Para o MPCO, seria uma forma de reduzir a transparência da doação.

No processo do TCE-PE, a empresa Recife Datacenter Tratamento de Dados teve como representante legal o empresário Yuri Costa Romão, atual presidente do Sport Club Recife. O outro sócio administrador da empresa é o empresário Halim Nagem Neto, também das lojas Nagem, e presidente da Associação Atitude, que tem como objetivo “influenciar o desenvolvimento de Pernambuco”.

Pouco tempo depois do pedido de suspensão do MPC-PE, em 15 de dezembro de 2022, o Governo do Estado publicou no Diário Oficial a suspensão das “medidas administrativas voltadas à execução da Lei Estadual nº 17.940/2022”. “Mas a lei não foi revogada. É preciso ainda ficar atento”, alerta Pavão.

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