Pedalando no medo

Por Jeniffer Oliveira

“Já foi o tempo que a insegurança era em horário de trânsito, de pico. Atualmente é em qualquer horário, porque o desrespeito está muito grande”, essas são as palavras do fotógrafo Anderson Stevens, que utiliza a bicicleta diariamente há cinco anos. Em agosto deste ano, o ciclista sofreu um atropelamento que, por pouco, lhe custou a vida. Um homem dirigindo uma SUV, acessou a rua General Abreu e Lima, no bairro do Rosarinho, pela contramão e invadiu a ciclofaixa em que Anderson pedalava. Ele conseguiu desviar, puxando a bicicleta e pulando para o lado, mas o motorista seguiu sem prestar assistência.

“Eu tô ficando com medo, apesar de sair da minha casa na zona norte e, em três minutos, já entro na ciclofaixa, praticamente só deixo de ter ciclovia quando chego no trabalho, então eu tenho em torno de 90% de estrutura cicloviária, ciclofaixa na maior parte do percurso e ciclovia quando chego na avenida Mário Melo, em Santo Amaro. Mesmo assim, segurança não tenho em nenhum dos trechos”, reforça Anderson.

O medo de Anderson é provocado pela hostilidade do trânsito do Recife, são carros e motos invadindo ciclofaixas, estruturas inadequadas, ciclofaixas apagadas, asfalto irregular, tampas de bueiros desniveladas, além da falta de respeito de motoristas e motoqueiros. Se o fato de sair de casa já não garante o retorno, para quem é ciclista o risco é ainda maior.

O fotógrafo conseguiu escapar e sair ileso, mas esse não foi o destino de outros seis ciclistas da Região Metropolitana do Recife. Val, Sandro, Nelson, Gabi, Isis e um homem que não teve o nome divulgado foram mortos em sinistros de trânsito num intervalo de quatro semanas, entre os meses de setembro e outubro.

“O trânsito está muito agressivo. A gente vem percebendo que na verdade está se normalizando a agressividade. Então a gente precisa de uma política pública emergencial e que realmente os governantes entendam o papel deles na sociedade”, analisa Barbara Barbosa, coordenadora da Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo).

Para exemplificar a realidade da capital, segundo a Ameciclo, enquanto esta reportagem estava sendo concluída, em apenas dois dias, quatro ciclistas foram atropelados no Recife, um teve o braço quebrado e o outro, a bicicleta. Olhando apenas para o Recife, de acordo com uma análise feita pela organização na plataforma de dados abertos da Prefeitura, ocorreu um aumento no número de acidentes de trânsito com vítimas nos últimos anos.

De 2022 para 2023, o aumento foi de 60,2%, passando de 1.906 para 3.055. Em 2024, a plataforma disponibilizou os dados até o mês de maio, totalizando 1.613 registros, mesmo assim, comparado ao mesmo período dos anos anteriores, nota-se um aumento de 82,9% em relação a 2023,com 882 registros para o mesmo período, aumento de 139% em relação a 2022, com 675 casos.

Especialistas associam diretamente esse crescimento à falta de diversas ações por parte do poder público, sobretudo a fiscalização eletrônica. O aumento dos números coincide com o período em que parte dos fiscalizadores eletrônicos estiveram desligados, entre 2023 e 2024. Além disso, de acordo com o site da própria CTTU, os equipamentos de fiscalização eletrônica, apesar de estarem operacionais 24 horas por dia, não fazem autuações durante as horas finais da noite e o início da madrugada, entre 22h e 6h.

Para mudar esta realidade, Barbara Barbosa relaciona as três principais demandas dos ciclistas e ativistas pelo transporte ativo – expressão usada para definir meios de transporte que utilizam a força do corpo humano, sem a ajuda de motores. “Redução das velocidades, implementação do plano diretor cicloviário e que a gente faça com que o plano de mobilidade de Recife, consequentemente das outras cidades, seja executado. Visão zero é que nenhuma morte é permitida, então a gente precisa estar nesse lugar de exigir que, para todo sinistro que acontece, a sociedade precisa exigir alguma ação direta emergencial”, reforça.

Plano Diretor Cicloviário, quase uma utopia

O que chama a atenção é que ao menos duas dessas mortes poderiam ser evitadas se o Plano Diretor Cicloviário (PDC) tivesse sido plenamente executado. Isso porque as ruas João Tude de Melo, no Parnamirim, São Miguel, em Afogados, deveriam ter sido contempladas com ciclovias previstas no tal PDC.

O plano foi lançado em 2014, ainda sob a gestão do governador Eduardo Campos, com a colaboração das prefeituras dos municípios da Região Metropolitana do Recife e da sociedade civil, com o objetivo de integrar os municípios com uma ampla rede cicloviária, incluindo as principais avenidas e pontos de conexão das cidades como prioridade.

No entanto, dez anos depois pouca coisa sair do papel, a principal das ações, a implementação do sistema cicloviário parece longe de acontecer. Segundo dados da plataforma Ideciclo, elaborada pela Ameciclo, estão projetados no PDC 630,2 quilômetros de estruturas cicloviárias na Região Metropolitana, incluindo ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas.

Marco Zero Conteúdo.