Retrocesso: Câmara discute proibição do aborto em qualquer situação

Por Marco Zero Conteúdo

Por Carol Vergolino*

O corpo das mulheres é e será sempre alvo de dominação da extrema direita, mesmo quando essa extrema direita é representada por mulheres. Duas deputadas que presidem a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados trouxeram à tona a PEC 164/2012 do então deputado Eduardo Cunha, que visa a proibição do aborto em qualquer situação, inclusive as que já são previstas em lei.

O projeto foi colocado em pauta pela presidenta da comissão, a deputada Caroline de Toni (PL/SC) e teve parecer favorável da relatora, a deputada Chris Tonietto (PL/RJ), que é vice-presidenta da comissão. As duas deputadas, integrantes da bancada de extrema direita fundamentalista pretendem que passe na comissão, para tramitar com urgência e seguir para o plenário da Câmara.

A PEC propõe a alteração no artigo 5º da Constituição Federal, que trata da inviolabilidade do direito à vida, incluindo a expressão “desde a concepção”, o que inviabiliza qualquer tipo de interrupção de gravidez, até as já previstas em lei. Caso a PEC seja aprovada, gestantes com risco de vida, gravidez fruto de violência ou com fetos anencefálicos serão obrigadas a gestar.

É preciso ressaltar que o que está posto em debate não é a legalização do aborto e sim a restrição do aborto que já é permissivo legal no país desde 1940, no caso da gravidez vítima de violência ou risco de vida para a gestante e, desde de 2012, no caso da interrupção de gravidez com fetos anencéfalos.

Caso isso seja admitido pelos 65 deputados que estão nesta Comissão, teremos casos de tortura como:

• crianças com 14 anos sendo impedidas de interromper gestações fruto de violênc1a

• vítimas de violência sexual sendo obrigadas a levar adiante gravidezes provocadas durante o ato violento;

• pessoas gestantes de fetos anencéfalos, ou seja, sem possibilidade de sobrevivência fora do útero, sendo obrigadas a viver uma gestação inviável por 9 meses;

• famílias privadas de planejamento reprodutivo;

• pessoas não acessando avanços científicos como a reprodução assistida.

Um retrocesso jamais visto no país quando se fala do direito das mulheres e das crianças. Sim, as crianças são as maiores vítimas de abuso sexual e todas elas, menores de 14 anos, têm direito ao aborto legal e seguro. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentou, em 2024, um Anuário com dados que refletem o contexto de violência em que vivem as mulheres no Brasil. Em 2023, 83.988 mulheres e meninas sofreram estupro: um a cada 6 minutos. Destas, 71% eram vulneráveis e 61,6% com até 13 anos, observamos ainda um amento de 24,1% da exploração sexual infantil entre os anos de 2022 à 2023.

Em 2024, o PL 1904/24, conhecido com o PL da Gravidez Infantil, que equipara o aborto depois de 22 semanas em homicídio, também foi posto em pauta no Congresso. Feministas de todo o país se mobilizaram e foram às ruas pedindo pelo arquivamento e, pressionado, Arthur Lira retirou de pauta.

Abortar no Brasil, mesmo em casos previstos em lei, é ainda bastante difícil já que apenas 3% dos municípios têm serviços de aborto legal no sistema público. Interditar esse serviço é obrigar pessoas pobres, em sua maioria mulheres pretas e crianças, a gestar. Porque sabemos, que mulheres ricas pagam e seguirão pagando pelo aborto em qualquer situação.

*Carol Vergolino faz parte da Frente Nacional Contra Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto e é ex-codeputada das Juntas (2019 a 2023).

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