Os dois últimos meses foram uma maratona para os diplomatas que representam seus países nas negociações globais para o clima e o meio ambiente. Primeiro, eles se reuniram na Colômbia para tratar da perda de biodiversidade – sem sucesso. Depois, estiveram no Azerbaijão com a missão de definir uma meta de financiamento para frear o aquecimento global, mas só chegaram a um acordo considerado fraco. Agora, na Coreia do Sul, tentaram estabelecer um tratado global para conter a poluição plástica – e, mais uma vez, falharam.
No terceiro fracasso da diplomacia ambiental do ano, os 175 países reunidos na cidade de Busan concordaram em medidas como melhorar o design dos produtos para aumentar o reúso e a reciclagem dos plásticos. Mas não conseguiram chegar a um consenso sobre pontos-chave relacionados à produção, ao uso de substâncias químicas e aos recursos necessários para pagar por essas mudanças.
Nem sequer o objetivo do tratado ficou definido no texto apresentado no domingo, 1º de dezembro, último dia de debate. Os países concordaram que o acordo deve “proteger a saúde humana e o meio ambiente da poluição plástica, incluindo o ambiente marinho”. Mas a ideia de que ele deveria abordar todo o ciclo de vida dos plásticos ficou entre colchetes – sinal, na diplomacia, de que o trecho em questão não obteve consenso.
Mais de 90 países, incluindo o Brasil, queriam que o acordo definisse obrigações, com peso de lei, para reduzir a produção de certos produtos, especialmente os de uso único (como sacolas, talheres descartáveis e canudos), e vetar o uso das substâncias consideradas mais perigosas – são mais de 3 mil, segundo um levantamento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Mas algumas nações produtoras de petróleo – matéria-prima básica dos plásticos – se opuseram a essas medidas e à definição de uma meta global de redução da produção de plásticos.
“Nunca houve qualquer consenso sobre esses artigos”, disse o representante da Árabia Saudita durante a plenária final – país que também foi acusado de atrapalhar as negociações da 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29).
Na mesma plenária, representantes do México e de Ruanda falaram em nome de quase cem países, apontando que muitas medidas tinham apoio da ampla maioria. As definições desses acordos no âmbito da ONU, porém, só podem ser alcançadas por meio do consenso.
“O consenso ainda é um modelo prevalente, porque ele garante mais estabilidade”, explica Natalie Unterstell, presidente do Talanoa, instituto dedicado à política climática. Para ela, por mais que dê um certo poder de veto para alguns países, o método garante uma negociação mais duradoura.
“O que está colocado em xeque é justamente a velocidade, porque as crises que estamos enfrentando, seja a dos plásticos ou a dos combustíveis fósseis, precisam de resoluções muito rápidas. E aí o modelo de consenso está se provando um tanto defasado, ele demora demais. Quando os países conseguem concordar, a crise já tem o quíntuplo do tamanho”, diz.
No caso dos plásticos, a previsão é que, mantido o ritmo atual, a produção triplique até 2060. Hoje, já são mais de 430 milhões de toneladas produzidas por ano, das quais dois terços são produtos de vida curta, que rapidamente se transformam em lixo. Com o avanço de energias renováveis e meios de transporte elétricos, os petroquímicos usados para produzir produtos plásticos devem responder por mais da metade do aumento da demanda por petróleo até 2050, segundo uma análise da Agência Internacional de Energia (IEA).
Não à toa, pelo menos 220 lobistas da indústria química e associados aos combustíveis fósseis registraram presença nas negociações, conforme um levantamento do Centro para Direito Ambiental Internacional (CIEL), número maior que o de qualquer delegação nacional.
Os delegados também não conseguiram concordar sobre os mecanismos para garantir os recursos financeiros para implementar as medidas, como a criação de um fundo global. Na falta de definições, a negociação sobre a poluição plástica será retomada no ano que vem.
Assim como ficou para fevereiro de 2025 a finalização da Conferência de Biodiversidade, travada também por causa do financiamento para implementação das metas.
O dinheiro foi um problema ainda na COP29, quando os países só conseguiram concordar com 300 bilhões de dólares anuais para ajudar as nações em desenvolvimento a reduzir suas emissões – diferentes apontavam que seriam necessários mais de 1 trilhão de dólares.
Para Unterstell, negociações passadas demonstram como nunca foi fácil construir esse tipo de acordo global, ainda mais quando chega o momento de definir como se dará a implementação das medidas.
Ela também considera que as atuais tensões geopolíticas têm dificultado o processo, como a guerra da Rússia na Ucrânia e a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Sem falar na vitória de Donald Trump, notório negacionista climático, na eleição presidencial americana, que coloca em dúvida o futuro envolvimento do maior poluidor histórico nesses acordos. Coincidência ou não, os EUA não se posicionaram publicamente nas discussões sobre o tratado dos plásticos.
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