Na rua onde José da Costa, 49, mora, a vida é complicada. Às oito da noite, o cheiro é “insuportável”, em especial de gás. Durante o dia, o tráfego de caminhões também o incomoda, juntamente com “esses barulhos de máquinas o tempo todo”. Nos últimos dias, José soube que a situação tende a piorar por conta do aterro em São Mateus.
Ele vive no bairro da Terceira Divisão, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, em frente ao local que recebe diariamente boa parte do lixo da cidade. A Prefeitura de São Paulo concedeu uma licença que autoriza a Ecourbis, administradora do espaço, a cortar 10 mil árvores e ampliar o aterro na zona leste.
A decisão fez com que moradores se mobilizassem para evitar que o aterro, ativo desde 1984, não seja ainda mais expandido.
“Isso é um crime, nós estamos precisando de área verde, não de mais lixo”, afirma o segurança Rafael Alfredo de Souza, 43, que reclama que os espaços para as crianças no bairro acabaram por conta da expansão do aterro. Ele vive desde criança no bairro.
“Não tem nada no Limoeiro, o que tinha para as crianças brincar era lá, hoje em dia não tem nada”, afirma Rafael. “O que resta é isso, andar aqui desviando dos caminhões”, ressalta.
O advogado Valdison Anunciação Pereira, 42, que nasceu na região, conta que na infância podia nadar e pescar nos rios do bairro.
“Tinha a cachoeira que a gente nadava e acabou, o seu Alfredinho, que era um outro rio e o pessoal pescava, tudo acabou”, afirma o advogado. “O aterro sempre existiu, mas foram ampliando, ampliando, ampliando e virou o que virou”, completa Valdison.
Nas últimas semanas, o projeto de ampliação tem sido discutido na Câmara Municipal de São Paulo. Quando os moradores souberam da ampliação do aterro decidiram se reunir para impedirem a ação.
Na sexta-feira (6), o Juizado da 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo acatou uma liminar que proíbe o avanço do projeto de ampliação.
Procurada pela Agência Mural, a Prefeitura de São Paulo afirmou em nota que: “a PGM (Procuradoria Geral do Município) informa que analisa a decisão e tomará as medidas que considerar cabíveis”.
Terrenos afetados
Entre os afetados pela possível ampliação está Eduardo Vitor Ferreira Faria, 55, beneficiado do LOAS (Benefício de Prestação Continuada), que vive na região há 30 anos.
Eduardo conta que em outubro, a empresa Ecourbis derrubou o cercado do terreno dele alegando que iria expandir o aterro, mesmo sem nenhum mandado judicial. O morador não tem escritura do espaço, como a maioria dos moradores da região, mas possui o contrato de compra e venda, que foi apresentado e ignorado pela empresa.
“Que lei é essa, você mora na periferia de São Paulo, você tem uma casa, você tem um terreno, luta para construir e chega uma pessoa falando que não é seu, derruba a sua cerca”, afirma Eduardo indignado com a situação.
Eduardo tem uma filha de 13 anos. Ele diz acreditar que quando a menina estiver com 20 anos não existirá mais o bairro da Terceira Divisão, pois o espaço do aterro vai tomar o restante do bairro.
Ele afirma que poderia sair da propriedade se a prefeitura pagasse pelo terreno. “Tenho que sair de onde eu moro, beleza? Eu até saio, mas quem garante que a Prefeitura, o Governo do Estado, vão pagar o valor da minha casa”.
Além de morar no terreno, Eduardo também mantém na propriedade a associação Roda Viva, que leva pessoas com mobilidade reduzida de várias regiões de São Paulo para o Carnaval. Eduardo é vice-presidente da associação.
Eduardo afirma que se pudesse se encontrar com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) diria para ele repensar a expansão do aterro, citando que ele fica próximo da extensão do monotrilho da linha 15-prata.
‘Você leva anos para chegar um transporte decente aqui, um metro, e agora vem um lixão para tirar a população’
Eduardo, morador de São Mateus
Moradores contra a expansão
No dia 6 de dezembro, os moradores se reuniram na entrada do Aterro de São Mateus para protestar contra a expansão e buscarem soluções para melhorar o dia a dia na região. No dia, vários carros e polícias da GCM ficaram parados em frente ao aterro.
“O pó, o cheiro e o pior de tudo a recepção que eles dão para as pessoas é essa polícia”, disse Valdison.
José da Costa, que abre este texto, começou a morar na frente do aterro há três anos, mas já está no bairro desde a infância. Ele diz que um dia antes do protesto, a empresa limpou toda a porta, trocou algumas redes e até mesmo o bueiro, que eles costumam alegar ser um serviço da prefeitura, foi limpo.
O morador afirma que isso só aconteceu porque a empresa sabia do protesto e de profissionais da imprensa que passariam pelo local. Mas no dia a dia a sujeira costuma ficar na porta dos moradores.
“Aqui sujo, barata, rato, vários animais, eles não limpam”, diz José. Ele também afirma que antigamente as casas eram bem cuidados, mas que tudo foi acabando por conta do aterro.
Sobre o cheiro, ele diz que a empresa sempre negou responsabilidade. “Se você fala com eles, dizem que o cheiro não é deles, pois o lixo está coberto”, afirmou José.
?A agente socioambiental urbana Viviane Xavier Queiroz, liderança comunitária na região foi uma das participantes do protesto. Participante do Conselho de Verde e do Meio Ambiente. “A gente está mexendo com uma nação inteira. Querem adiantar a contaminação do nosso povo? Hoje deixei de ganhar meu pão lá fora [para estar aqui], pra buscar ganhar qualidade de vida, sustentabilidade para a próxima geração que vem aí.”
Ecourbis
Sobre a invasão do terreno, a Ecourbis diz que ”a informação não procede, pois não houve e nem há qualquer ação em curso na área externa da Central de Tratamento de Resíduos Leste relacionada com a ampliação do empreendimento.”
A concessionária diz que está cumprindo um TCA (Termo de Compromisso Ambiental), firmado com a SVMA (Secretaria do Verde e Meio Ambiente), que prevê o cercamento com gradil para realização de obras de requalificação do Parque Natural Municipal Cabeceiras do Aricanduva.
“Durante a instalação do gradil, foi identificada uma interferência na via à continuidade dos trabalhos, à rua Nogueira de Iguape, 23 e 23A – Jardim Arantes, local vizinho ao perímetro do parque, fato comunicado à Secretaria do Verde e Meio Ambiente”.
A nota diz que após a notificação, profissionais da SVMA, acompanhados da Guarda Civil Metropolitana, estiveram no endereço para sanar a interferência identificada para a continuidade do cercamento do parque.
Agência MuralO post ‘Estamos precisando de mais verde, não de mais lixo’, diz morador sobre aterro em São Mateus apareceu primeiro em Agência Mural.
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