No último dia 16 de dezembro, a defesa do “kid preto” e tenente-coronel do Exército Rodrigo Bezerra de Azevedo, um dos indiciados pela Polícia Federal (PF) por suposto envolvimento na trama golpista que previa até mesmo o assassinato do presidente Lula, pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes o envio da investigação completa para a Justiça Militar. A justificativa seria que “a competência para analisar e julgar o caso pertence à Justiça Castrense”. Moraes ainda não respondeu ao pedido.
A Agência Pública apurou que, na prática, o Ministério Público Militar (MPM) ainda não está envolvido no caso e, até segunda ordem, não conduzirá investigação própria para elucidar o papel dos 27 militares da ativa e da reserva das Forças Armadas indiciados pela PF no último dia 21 de novembro por atuarem na tentativa de golpe de Estado. A Procuradoria-Geral de Justiça Militar (PGJM), que coordena o MPM, afirmou que não pediu o compartilhamento das provas já reunidas pela PF contra os militares indiciados. A Justiça Militar só pode julgar o caso, por meio do Superior Tribunal Militar (STM), se houver provocação da PGJM ou do MPM.
À Pública, o procurador-geral de Justiça Militar, Clauro Roberto de Bortolli, afirmou que as investigações da PF revelaram até o momento “crimes da alçada do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o entendimento que prevalece naquela Corte” e que caberia à Justiça Civil, por meio do STF, PF ou Procuradoria-Geral da República (PGR), avisar a PGJM sobre eventuais crimes militares. “Dessa maneira, cabe àquelas instituições a eventual comunicação ao Ministério Público Militar quanto à existência de infrações penais de competência da Justiça Militar da União, o que não ocorreu até o momento.”
Até o momento, o único caso ligado à tentativa de golpe sob análise do MPM é o da carta redigida por oficiais de alta patente para pressionarem o então comandante do Exército general Marco Antônio Freire Gomes a aderir ao plano golpista. A investigação da PF aponta que militares se reuniram na noite de 28 de novembro de 2022 em Brasília para discutir o teor do documento, escrito conjuntamente por tenentes-coronéis e outros militares de alta patente.
Em agosto de 2024, o Exército abriu uma sindicância interna contra 37 oficiais que assinaram a carta. O Inquérito Policial Militar (IPM) tramita em sigilo na 2ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar em Brasília, segundo informado pela PGJM. Conforme o previsto no Código Penal Militar, a elaboração do documento pode vir a ser enquadrada como “conspiração” (artigo 152 do código), “aliciação para motim ou revolta” (artigo 154), “incitamento” (artigo 155) e “reunião ilícita” (artigo 165).
À Pública, a PGJM afirmou que o MPM pediu a “quebra dos sigilos telefônico e telemático” dos militares acusados de elaborar a carta, mas que houve “decisão judicial pelo declínio de competência em favor do Supremo Tribunal Federal”. Segundo o órgão, a decisão que passaria esse caso para o STF ainda está “sob análise do órgão do Ministério Público Militar atuante no feito”, sem prazo para resposta definitiva.
Silêncio sobre possíveis crimes militares em tentativa de golpe
A Pública perguntou também à PGJM quais seriam os crimes militares relacionados à tentativa de golpe, considerando-se o que já foi revelado pelas investigações, mas não houve resposta.
O Código Penal Militar lista uma série de delitos compatíveis com as condutas atribuídas aos militares suspeitos de envolvimento. No caso dos “kids pretos” ligados ao plano “Punhal Verde e Amarelo” e à formação do grupo “Copa 2022”, responsável por planejar uma operação com o objetivo de prender e possivelmente assassinar o ministro do STF Alexandre de Moraes, podem vir a ser imputados aos autores crimes que iriam de “organização de grupo para a prática de violência” (artigo 150) e “operação militar sem ordem superior” (artigo 169) até a tentativas de “sequestro ou cárcere privado” (artigo 225) e de “homicídio qualificado” (artigo 205). A operação foi cancelada na noite de 15 de dezembro de 2022, sem que os militares envolvidos executassem o golpe planejado.
Para o advogado e diretor do Instituto Brasileiro de Análise de Legislações Militares (IBALM) Cláudio Lino, mesmo com o enquadramento da tentativa de golpe em crimes militares é improvável que o MPM se envolva. “Se as investigações estivessem sendo conduzidas no meio militar, eu duvido que estes oficiais estariam presos”, opinou.
Para Lino, a estrutura e as relações de poder internas ao próprio meio militar influenciam a atuação do MPM, que, segundo o advogado, trabalharia para amenizar tensões e eximir culpados de crimes militares. “A tendência é que a Justiça Militar tome atitudes somente após o julgamento do STF, restringindo-se a analisar os casos daqueles oficiais que sejam condenados a penas maiores que dois anos de reclusão, por meio de Conselhos de Justificação – que decidem pela perda ou não de patentes e pela exclusão do quadro das Forças Armadas”, afirmou.