Há dez anos, desde 2014, publicamos uma retrospectiva como esta para relembrar e registrar tudo o que a Agência Pública fez no ano. As dez retrospectivas anteriores mostram um jornalismo inovador e uma organização que cresce a cada ano, mas também fazem uma síntese do Brasil, sempre do ponto de vista da população e dos direitos humanos.
Foi essa organização inovadora, que antecipa e discute grandes temas do país, que celebramos em nosso aniversário de 13 anos, em um evento realizado na PUC-SP, em março. Reunimos mais de mil leitores, apoiadores, amigos e convidados para debater o jornalismo na linha de frente da democracia, em três conversas ao longo do dia. Falamos de desinformação e populismo digital, em uma conversa mediada pela diretora-executiva da Pública, Natalia Viana, com a participação da antropóloga Letícia Cesarino e de Nina Santos, pesquisadora e professora da FGV. Recebemos também as jornalistas Juliana Dal Piva e Fabiana Moraes para um debate sobre como cobrir o governo de maneira equilibrada, com mediação de nosso repórter Rubens Valente. Por fim, recebemos o ativista e escritor Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista Daniela Chiaretti para uma conversa eletrizante que chamamos de Colapso Climático e Antropoceno, mediada pela chefe da cobertura socioambiental da Pública, Giovana Girardi.
Os temas que debatemos em nosso evento de aniversário estiveram presentes em nossa cobertura e em nossos projetos ao longo do ano.
Em março, iniciamos nosso Programa de Formação de Repórteres Indígenas. Os participantes do programa, seis comunicadores indígenas de diferentes cantos do país, vieram até nossa redação em São Paulo para participar de oficinas de jornalismo. Depois, eles foram a campo para produzir suas reportagens, que revelam aspectos da luta de seus povos por terra, justiça e respeito às culturas tradicionais.
No final de abril e início de maio, vimos as enchentes no Rio Grande do Sul devastarem parte do estado. Nossa equipe rapidamente se mobilizou para cobrir a tragédia, chamando-a pelo nome correto: crise climática. Investigamos ações do governo do Rio Grande do Sul, como as falhas nos sistemas de alertas reportadas por especialistas, o posicionamento de deputados em votações sobre crise climática, a desinformação durante o desastre e a atuação de grupos de direita, como a Brasil Paralelo, que nega a crise climática. Mostramos a dor da cidade de Muçum, que em maio era destruída pelas enchentes pela terceira vez em menos de um ano.
Voltamos a Muçum em setembro, às vésperas das eleições municipais. Nossa equipe foi atrás de saber como a cidade se preparava para o pleito, em um ano em que até o cemitério foi completamente destruído pelas enchentes. Foi sob o ponto de vista do clima que cobrimos as eleições de 2024, com a série Clima das Eleições. De norte a sul, investigamos os problemas das cidades sob a perspectiva das mudanças climáticas e como políticos se preparam para elas. No Climômetro, buscamos compreender o que candidatos à prefeitura de capitais brasileiras pensam das mudanças climáticas. Também percorremos um trecho da BR-163 chamado de “rota do agro”, entre Cuiabá (MT) a Santarém (PA), para mostrar como a crise climática é tratada nas eleições municipais da região.
Enquanto fazíamos nossa cobertura de eleições voltada para o clima, o país queimava e passava por ondas de calor. Foi pensando nessa intersecção inevitável entre a política e a crise do clima que lançamos nosso primeiro videocast, o “Bom dia, fim do mundo”. Feito em parceria com a TV PUC, o programa discute como os grandes acontecimentos da semana se relacionam com o clima: da morte do apresentador Silvio Santos ao plano golpista dos militares ligados a Jair Bolsonaro.
Em 2024, nossa sucursal em Brasília completou um ano, assim como a coluna de notas Entrelinhas do Poder. Outro fato que completou um ano em 2024 foi a censura imposta à reportagem da Pública pela Justiça a pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A reportagem, que trazia um relato inédito de Jullyene Lins, ex-esposa de Lira, foi retirada do ar em setembro de 2023. Em janeiro deste ano, a Justiça determinou a retirada do ar de outras publicações que repercutiam a reportagem censurada. No início de abril, o colegiado da 6ª Turma Cível do TJDF decidiu por manter a censura. A defesa da Pública fez uma reclamação contra a censura ao STF, que foi indeferida por Alexandre de Moraes.
Em junho deste ano, após a aprovação da tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 1.904/24, que equipara o aborto legal de gestação acima de 22 semanas ao crime de homicídio, colocada em pauta por Arthur Lira sem aviso ou discussões prévias, a opinião pública reagiu nas redes sociais relembrando notícias divulgadas anteriormente a respeito de Lira. Passaram a circular novamente entrevistas antigas de Jullyene Lins. A defesa do deputado, então, peticionou na reclamação feita pela defesa da Pública ao STF para pedir a retirada do ar de diversos links, perfis no X (antigo Twitter), uma entrevista em vídeo de Jullyene Lins à Folha de S.Paulo em 2021, um vídeo da Mídia Ninja e notícias dos portais Terra e Brasil de Fato que repercutiam nossa reportagem.
O ministro Alexandre de Moraes inicialmente deferiu os pedidos da defesa de Arthur Lira, determinando a retirada das publicações do ar. No entanto, poucos dias depois, o ministro voltou atrás e liberou a publicação dos conteúdos da Folha de S.Paulo, Terra e Brasil de Fato. A reportagem da Pública segue censurada.
Apesar desse revés, seguimos fazendo reportagens de impacto, como a que revelou que o presidente interino da Caixa Asset, braço de gestão de fundos de investimento da Caixa Econômica Federal, Heitor Souza Cunha, mantinha uma empresa com o ex-assessor de Arthur Lira que foi pivô do escândalo dos kits de robótica. Após a publicação, Cunha foi destituído do cargo. Nossa série de reportagens sobre os amigos de Ricardo Nunes que teriam sido beneficiados em contratos e decisões da prefeitura de São Paulo motivou representações de parlamentares ao Ministério Público.
Ao longo do ano, não deixamos de lado nossas investigações sobre atores da direita e suas tentativas de abalar a democracia. Revelamos a articulação feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com parlamentares dos Estados Unidos para convencê-los de que o Brasil vive uma ditadura e impor punições ao país. Por conta da reportagem, o PSOL pediu ao STF que incluísse os deputados federais Eduardo Bolsonaro e Gustavo Gayer (PL-GO) no inquérito que investiga os atos de 8 de janeiro.
Mostramos também que um dos principais executivos da produtora de direita Brasil Paralelo, foi um dos criadores do 55chan, fórum de discussões online com postagens que incluíam pornografia infantil e antissemitismo. Revelamos também um curso ligado à Brasil Paralelo e aprovado pelo MEC, dedicado a formar professores de história. O conteúdo produzido por ela propala ideias conservadoras, negacionistas e de desrespeito a minorias.
Investigações como essas são fundamentais para lembrar que precisamos seguir lutando pela democracia e contra a desinformação. Principalmente quando, em breve, teremos Donald Trump de volta à presidência dos Estados Unidos, com o homem mais rico do mundo com um cargo em seu governo.
E, por falar em Elon Musk, investigamos seus negócios no Brasil com o apoio de nossos Aliados, acompanhamos com atenção sua briga com Alexandre de Moraes e desafio às leis brasileiras, que levaram à suspensão da rede social, e também decidimos finalmente deixar de usar o X (antigo Twitter) após 13 anos. Para nós que temos, desde 2018, coberto a propagação de desinformação aliada a discursos golpistas que visam destruir a nossa democracia, o uso da plataforma por Elon Musk para promover uma visão de mundo extremista e antidemocrática é alarmante.
Saímos do X, mas não faltam plataformas nem projetos investigativos inovadores para nossos leitores acompanharem. 2024 foi um ano de grandes projetos. Lançamos nosso podcast totalmente financiado pelos leitores sobre a rede de exploração sexual que teria sido mantida por Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, história que investigamos há quatro anos. Publicamos uma investigação feita durante um ano sobre políticos com antepassados que teriam sido ligados à escravidão. Revelamos que um programa de vigilância do Ministério da Justiça tem mais de 55 mil usuários que podem monitorar pessoas sem justificativa. Você verá detalhes desses e de outros projetos que fizemos ao longo do ano ao longo desta página.
Em 2025, seguiremos investigando, como sempre. Teremos mais projetos inovadores, reportagens corajosas, contaremos grandes histórias em podcasts. Vamos cobrir a 30ª Conferência do Clima da ONU, que em 2025 será realizada em Belém do Pará. Vamos refletir ainda mais sobre o papel do jornalismo no mundo hoje e sua importância para manter a democracia fortalecida.
Nos vemos em 2025.
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Reportagens de impacto
Em 2024, o jornalismo da Pública fomentou debates essenciais para a movimentação da sociedade. Confira alguns impactos:
- Comitiva de Eduardo Bolsonaro nos EUA. Em abril de 2024, publicamos uma matéria que revela como Eduardo Bolsonaro e sua comitiva bolsonarista articulavam com parlamentares dos EUA punições ao Brasil para combater uma suposta “ditadura de esquerda”. Após a reportagem, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a inclusão dos deputados federais Eduardo Bolsonaro e Gustavo Gayer no inquérito que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. O pedido foi assinado pela deputada federal Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP), pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) e pelo vereador de São Paulo Celso Giannazi (PSOL-SP).
- Cemitérios privatizados em São Paulo. A vereadora Luna Zarattini (PT-SP) protocolou o PL 239/2024, que institui a isenção das taxas funerárias para os familiares de falecidos pela covid-19 em São Paulo. A ação ocorreu depois de a reportagem da Pública publicada em março ter revelado que os cemitérios privatizados estão cobrando valores até dez vezes mais altos para reenterrar mortos da covid. No mesmo mês, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) iniciou a investigação das denúncias de cobrança das altas taxas. Em maio, o vereador Celso Giannazi (PSOL-SP) protocolou uma representação para o Tribunal de Contas do Município investigar a falta de ação da prefeitura e da agência SP Regula por problemas de infraestrutura e cobrança de taxas abusivas em cemitérios privatizados da cidade. As denúncias feitas pela Pública também pautaram as discussões entre os candidatos à prefeitura de São Paulo durante o debate do primeiro turno das eleições municipais realizado pela Band em agosto.
- Todos os amigos de Nunes. Após as reportagens da série “Todos os amigos de Nunes”, publicadas de abril a julho pela Pública, o MPSP iniciou investigações sobre a gestão de Ricardo Nunes (MDB-SP). O especial mostrou que decisões do prefeito reeleito beneficiaram pessoas próximas a ele. O vereador Toninho Vespoli (PSOL-SP) acionou o MPSP para apurar os termos do contrato entre a prefeitura de São Paulo e a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), que administra 15 creches terceirizadas. Na matéria “Acordo milionário da prefeitura de São Paulo com creches beneficiou amigos de Nunes”, mostramos que a prefeitura pagou mais de R$ 7 milhões para a Sobei mesmo após ter recebido uma decisão judicial segundo a qual não era obrigada a fazer o pagamento. Na mesma semana em que a reportagem foi publicada, a Polícia Federal indiciou mais de cem pessoas por desvios na gestão de creches pela prefeitura e afirmou que continuará investigando Nunes. Já a presidenta do PSOL-SP, Débora Lima, moveu uma representação no MP contra Nunes para investigação de crime de responsabilidade e improbidade administrativa em relação à desapropriação de cinco imóveis na região central da capital paulista, motivada por denúncias apresentadas na reportagem “Empresa de amigo de Ricardo Nunes é beneficiada com desapropriação de prédio em São Paulo”. A outra investigação do MP motivada por reportagens da Pública se refere à compra de armadilhas para combater o mosquito da dengue vendidas pela empresa de outro amigo próximo de Nunes: o empresário Marco Bertussi. Além disso, o mandato coletivo Bancada Feminista da Câmara Municipal de São Paulo, do PSOL, e a vereadora Luna Zarattini, do PT, entraram com ações populares na Justiça pedindo a suspensão do contrato de compra de armadilhas contra a dengue pela prefeitura de São Paulo.
- Conflito de interesses na Caixa Asset. A Caixa Asset, braço de gestão de fundos de investimento da Caixa Econômica Federal, destituiu Heitor Souza Cunha, na época recém- nomeado presidente interino, após reportagem da Pública publicada em novembro ter revelado que ele mantinha uma empresa, a LF Consultoria, com Luciano Ferreira Cavalcante – ex-assessor do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e pivô do escândalo dos kits de robótica. Cunha deixou a sociedade com Luciano três dias depois da publicação da nossa matéria, enquanto a Caixa Asset investigava se houve conflito de interesses. No mesmo endereço da LF Consultoria funciona também o escritório Maurício Carvalho Advogados, de Luiz Maurício Carvalho e Silva, advogado de Lira, que atualmente ocupa um cargo no alto escalão da Caixa Econômica Federal.
- Denúncias de agressões na fábrica da BYD. Em novembro, revelamos que operários chineses estariam submetidos a condições de trabalho degradantes na construção da primeira fábrica de carros elétricos do Brasil, da empresa BYD, em Camaçari, na Bahia. A matéria traz relatos de agressões físicas, alojamentos inadequados, operários atuando sem equipamentos de proteção individual e jornadas de 12 horas por dia, de domingo a domingo. Para a construção da fábrica em Camaçari, a BYD contratou cerca de 470 operários chineses de três empresas de seu país. O Ministério Público do Trabalho (MPT) havia feito uma inspeção no canteiro de obras no dia 11 de novembro e informou à reportagem que havia um inquérito em andamento para apurar informações sobre “saúde e segurança do trabalho” dos operários. Apesar de já estar em andamento, o inquérito foi anunciado no site do MPT no dia seguinte à publicação da nossa reportagem. Em 2/12, a CEO da BYD para as Américas e Europa, Stella Li, o vice-presidente sênior da montadora no Brasil, Alexandre Baldy, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), fizeram uma visita técnica a Camaçari (BA). Em conversas com jornalistas no local, eles tiveram que se posicionar sobre as denúncias da Pública que repercutiram no mundo todo. Baldy afirmou que “não se tolerará qualquer desrespeito à dignidade humana ou às relações entre pessoas”. Além disso, a BYD solicitou o cancelamento do visto das pessoas envolvidas na exploração de trabalho e exigiu das empresas terceirizadas “providências urgentes para garantir que tal atitude jamais se repita”.
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Entrelinhas do Poder
Nossa coluna de notas traz informações direto do centro do poder. Notas sobre política, estudos exclusivos, debates sobre políticas públicas e uma agenda semanal com o que está em pauta em Brasília. Confira as notas mais lidas do ano:
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- Entrelinhas do Poder no ICL
Às quintas-feiras, vai ao ar no ICL Notícias 1a Edição o quadro “Entrelinhas do Poder”, em que repórteres da Pública comentam nossas principais reportagens e temas da semana.