Bolsonaro, os generais e a rataria
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A estratégia de Jair Bolsonaro de descredibilizar o processo de votação eletrônica para permanecer no cargo, pedra fundamental do relatório da Polícia Federal (PF) nas mãos da Procuradoria-Geral (PGR) da República, foi acompanhada por todos nós em tempo real desde que ele assumiu o poder, em 2019, eleito pelo mesmo sistema que passou a denunciar.
Assistimos também à entrada maciça de militares no governo, incluindo generais da ativa como Braga Netto, que passou para a reserva quando já era ministro da Casa Civil – cargo que não era ocupado por um militar desde a ditadura. Aliás, há 12 oficiais da ativa entre os 25 militares indiciados pela PF pelos crimes de abolição violenta do estado democrático, golpe e organização criminosa.
Mas, embora criticada por parte da imprensa, a chegada dos militares ao poder, com mais de 6 mil integrantes das Forças Armadas ocupando cargos civis em 2020, chegou a ser vista com simpatia no início do governo, com reportagens louvando os generais, principalmente os que serviram no Haiti, como parte de uma nova geração que seria muito diferente da dos golpistas de 1964.
As graves violações de direitos humanos durante o comando brasileiro da missão da ONU viraram nota de rodapé. Poucos veículos noticiaram a atuação tida como criminosa por organizações de direitos humanos nas favelas de Porto Príncipe durante a missão, sobretudo enquanto comandada pelo futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro, general Augusto Heleno.
Até o general Villas Bôas, que ainda no governo Temer tentou intervir na Justiça, proferindo ameaças diante da possibilidade de soltura de Lula, foi pintado como “moderado” ao se tornar assessor de Augusto Heleno no Gabinete de Segurança Institucional (GSI). E os militares do Planalto foram retratados como “vítimas” de uma “armadilha” da “ala ideológica” do governo Bolsonaro, reforçando o mito de que seriam técnicos e isentos.
Lembrando que os kids pretos – ou a “rataria”, como diz um dos seus, o general Mário Fernandes, preso com todas as digitais nos planos operacionais que levariam ao golpe –, já estavam infiltrados nas operações no Haiti de Augusto Heleno, que depois – de acordo com o relatório da PF – “atuou de forma destacada no planejamento e execução de medidas para desacreditar o processo eleitoral brasileiro e para subverter o regime democrático”.;
Da mesma maneira, a intervenção militar comandada por Braga Netto no governo Temer, com mais de 103 civis mortos, foi saudada pelos jornais com elogios ao general, agora indiciado como um dos líderes da trama golpista pelo relatório da PF.
Deram crédito a ele mesmo depois da descoberta de que o delegado Rivaldo Barbosa, nomeado um dia antes como chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro por Braga Netto, seria um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Apesar de as Forças Armadas continuarem a formar seus militares com histórias distorcidas e mentirosas sobre a ditadura, sem nunca colaborar para o esclarecimento dos crimes cometidos pelas forças repressivas, a imprensa cedeu espaço para que os novos generais falassem de “preconceito e desinformação” na análise do período militar na ditadura.
E, quando Bolsonaro foi eleito, nenhum jornal disse que a extrema direita tinha chegado ao poder, apesar da devoção pública da família por um torturador reconhecido como tal pelo Estado, o coronel Brilhante Ustra. Sem falar na proximidade com a milícia.
A radicalização da direita, que chegaria ao ápice na tentativa de golpe depois da derrota de Bolsonaro, agora minuciosamente comprovada no relatório da PF, foi falsamente apresentada como “polarização” – em uma falsa equivalência que dominaria a cobertura dos grandes veículos pelo menos até o golpismo explícito no 7 de setembro de 2022.
A imprensa tem que fazer o mea-culpa pelo modo negligente com que cobriu a ascensão da direita golpista ao poder desde o impeachment de Dilma Rousseff e pela falsa imagem das Forças Armadas que ajudou a propagar.
Não é só pela força descontrolada das redes sociais que a democracia esteve por um triz desde então.
PS. Para saber mais sobre a ascensão dos militares ao poder associada às operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) do Exército no Rio de Janeiro que resultaram na morte de inocentes, aconselho a leitura do livro Dano colateral, de Natalia Viana.