Severino, o servidor público que enfrentou a ditadura na Faculdade de Odontologia
Quem vê o senhor baixinho, de jeito simples e bastante simpático, não imagina o quanto este homem simples contribuiu para manter a resistência de estudantes e servidores da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP) durante a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, quando ainda integrava a Fundação de Ensino Superior de Pernambuco (Fesp), antigo nome da Universidade de Pernambuco (UPE).
Severino Vitorino, de 71 anos, iniciou o trabalho na instituição como servente, seguindo os passos do pai e poucos anos depois se tornou técnico administrativo, função que executa até hoje.
Servidor desde 1969, sua coragem foi oficialmente reconhecida. Ele foi um dos 12 homenageados pela UPE em uma cerimônia que celebrou os 59 anos da instituição na segunda-feira, 25 de novembro. “Pra mim foi uma viagem no meu passado. Com muito honra recebi essa homenagem por merecimento. Aos meus colegas que já se foram dedico e divido minha história de luta com eles”, refletiu ao receber seu Diploma de Resistência.
Durante um dos períodos mais sombrios da história do país, Severino foi um dos fundadores da Associação dos Servidores da FOP, integrou o Sindicato dos Enfermeiros, Técnicos, Duchistas, Massagistas e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde de Pernambuco. Ele fez mais: foi um colaborador ativo dos estudantes que dirigiam os diretórios acadêmicos da época.
Tanta movimentação lhe rendeu a desconfiança do diretor da FOP à época, Edrízio Barbosa Pinto, ferrenho defensor da ditadura militar. Foi assim que ele acabou sendo transferido para trabalhar na secretaria, depois no setor de compras, até chegar à biblioteca, onde passou dois anos sendo vigiado sem poder sair da sala e transitar em outros setores.
“Eu e os alunos que fazíamos as reuniões, tinha cartaz, tinha tudo. Nesse processo todo, eu terminei preso em 1986 [durante o governo de Gustavo Krause]”, afirma o servidor. A prisão durou apenas um dia, e isso graças a todas as provas que ele tinha sobre sua conduta na instituição.
A história sendo reescrita
Os homenageados foram identificados durante a investigação para o desenvolvimento do livro Universidade de Pernambuco: Histórias, Espacialidades, Memórias e Outras Narrativas, escrito pelo professor de História Carlos André Moura, em colaboração com outros autores. A pesquisa revelou a atuação política de estudantes e servidores que não constavam nos relatórios da Comissão da Verdade, o que resultou em um desdobramento da pesquisa.
“Esse levantamento foi feito tanto na imprensa, quanto escutando os docentes mais antigos, os diretores e coletando a documentação da própria universidade. A gente está dando uma contribuição e reescrevendo a história. Porque a narrativa que se tinha e a história que a gente apresenta agora, é diferente”, afirma Carlos Moura, que também é diretor de comunicação da universidade.
“É um ato de reforçar o nosso compromisso enquanto instituição pública de ensino superior com a democracia, com os direitos humanos e de reparar historicamente aqueles que foram perseguidos e impedidos de estudar porque estavam lutando pela democracia”, complementa Moura.
Também foram receberam diploma José Almino Arraes de Alencar Pinheiro, Maria Zélia de Sousa Levy e Paulo Santos Carneiro. Postumamente, foram homenageados Enildo Galvão Carneiro Pessoa, Francisco de Sales Gadelha de Oliveira, Ilmar Pontual Peres, Javan Seixas de Paiva, José Luiz Oliveira, José Romualdo Filho e Rildege de Acioli Cavalcanti.
A instituição também entregou o diploma de Medicina, in memoriam, a Rosane Alves Rodrigues, que foi representada por familiares, em reconhecimento à luta pela democracia, liberdade e direitos humanos durante o período ditatorial. Rosane estudava na Faculdade de Ciências Médicas, mas teve de buscar exílio no exterior e nunca conseguiu concluir a graduação.
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