O relato de três trabalhadores das periferias que estão na escala 6×1
Trabalhar seis dias na semana, descansar apenas um. Essa é a realidade de muitos trabalhadores do comércio, serviços e da indústria. A discussão sobre a escala 6×1 se tornou uma pauta sensível para muitos moradores das quebradas que convivem com trabalho exaustivo, além de outros problemas como o tempo gasto no deslocamento até o serviço.
A falta de folgas, por exemplo, impede que Oliver James Silva de Andrade, 30, consiga resolver questões pessoais. Os dias de trabalho, além de cansativos, demandam no mínimo 1h20 de trajeto para que o supervisor de operações que mora na Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, chegue ao trabalho.
O trabalho excessivo afetou a saúde mental dele e causou uma piora da asma. “No serviço, eu saio de um lugar de alta temperatura e depois entro em uma área de 4 graus abaixo. Choro muito por causa do estresse e cansaço”, relata.
Antes do atual emprego, ele passou anos pulando de trabalho em trabalho e acredita que a dificuldade vem de ser um homem trans. Desde a morte da avó, há 6 anos, mora sozinho e a rotina não o permite ter um tempo de qualidade com familiares próximos.
‘Não consigo passar tempo com minha família, não vejo meus amigos e não tenho um momento de lazer de descanso. Tô tão cansado que troco o dia da minha folga só pra dormir’
A discussão sobre os direitos trabalhistas tem tomado as redes sociais e uma petição organizada pelo movimento VAT (Vida Além do Trabalho) está com quase 3 milhões de assinaturas.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) ultrapassou as 171 assinaturas de deputados necessárias para que o projeto tramite agora no Congresso Nacional. A proposta estabelece a duração do trabalho de até oito horas diárias e 36 semanais, com jornada de quatro dias por semana e três de descanso. A proposta nasceu após iniciativa do vereador eleito do Rio de Janeiro Rick Azevedo (PSOL-RJ).
Washington Lima Soares, 37, é morador do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, e trabalha como assistente de loja. Está há 15 meses na nova função, mas há mais de uma década que faz a escala 6×1. Para o deslocamento, gasta 30 minutos para ir e voltar, mas nos empregos anteriores gastava mais de 1 hora no transporte.
‘Eu folgo atualmente nas quartas-feiras, e basicamente faço as tarefas de casa que se acumulam durante a semana e tento descansar. O lazer se limita a assistir algo nos streaming’
“Também tenho uma folga de domingo no mês e tirava esse dia para ver a minha filha. Porém, há 10 meses ela se mudou para o Nordeste e não consigo mais vê-la com regularidade”. Agora, ele usa o dia de folga para passear, mas é necessário marcar os encontros com muita antecedência pela falta de disponibilidade.
Vitória Silva, 26, é moradora do Itaim Paulista, distrito da zona leste, e atua como agente de prevenção à fraude. Ela trabalha desde os 16 anos e agora, pela primeira vez, está em um trabalho com escala 5×2.
Ela conta que o primeiro contato com o mercado de trabalho é um momento importante pela empolgação. No entanto, por aceitar qualquer função, ela acarretou problemas de saúde mental.
“Depois vemos que não é bem uma oportunidade. Aceitamos, porque ainda estamos saudáveis, achamos que fizemos um bom negócio, até perceber com os sinais físicos e mentais que na verdade, estamos sendo explorados, destratados, desprezados e muito mal pagos”, reflete.
Por conta da escala, acabou não estudando o suficiente. Enquanto estava no ensino médio, trabalhava em uma padaria onde acordava às 4h da manhã e saía do trabalho às 15h. Às 19h ia para a escola e chegava em casa às 23h.
Tinha que trabalhar aos fins de semana e nos feriados de natal e ano novo. Não havia tempo para fazer cursos profissionalizantes ou estudar para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
“Meu corpo deu sinais e hoje sou hipertensa. Também sou mãe de uma menina de 4 anos que se queixa todos os dias que sente a minha falta. Os momentos com ela foram roubados por causa dessa exploração e eu nem recebo o suficiente para dar tudo que ela precisa”, conta.
O futuro do trabalho
Países como Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia já apostam em uma carga de trabalho reduzida. Já o Brasil, ao lado de Estados Unidos, México, China e Índia, ainda utilizam o modelo de 6×1. Após o resultado do processo de mobilização social e a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional, haverá desafios pela frente.
“Nós temos que trabalhar para que o futuro do trabalho seja de uma jornada menor e com escala de distribuição dessa jornada mais justa e mais saudável para o trabalhador”, afirma Victor Pagani, sociólogo e diretor de relações sindicais do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Ele reflete que, com os avanços trabalhistas, muitos empresários têm se levantado para ir contra a medida. Pagani aponta que eles deverão estabelecer outras escalas e contratar mais empregados, o que pode ser positivo por gerar oportunidades de trabalho para mais gente.
“Sempre que há um avanço de algum direito, seja um aumento de salário mínimo, a conquista do 13°, das férias remuneradas ou da licença maternidade, eles sempre argumentam que vai quebrar a economia e gerar prejuízo. A história mostra que com o avanço da tecnologia, os ganhos de produtividade têm sido muito grandes”, observa o especialista.
Segundo ele, ter uma PEC que reduz a jornada de trabalho é uma garantia de proteção social, trabalhista e sindical. Além disso, o fato de ter a garantia de direitos, também é uma referência para os trabalhadores que hoje vivem na informalidade em prol da redução das desigualdades sociais e uma sociedade mais cuidativa.
“Essa é uma luta histórica do movimento sindical brasileiro e internacional, seja pela redução do tempo de trabalho ou a questão do tempo e do dinheiro que movem a economia capitalista. A luta não acaba enquanto a gente estiver nesse sistema, então é importante que os trabalhadores se mobilizem”, conclui.
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