MA concentra 85% dos ataques com agrotóxico a comunidades e escalada da violência no campo
Dos 182 casos de contaminação de comunidades por agrotóxicos no primeiro semestre deste ano, 156 foram no Maranhão. A incidência desse tipo de caso aumentou quase dez vezes em relação ao mesmo período de 2023, quando 19 ocorrências foram registradas. Os dados sobre conflitos no campo foram divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) para marcar o Dia Mundial de Luta contra os Agrotóxicos e mostram o retrato da violência rural no país.
A Coordenadora Regional da CPT no Maranhão, Márcia Palhano, conta que os moradores já tinham que lidar com os problemas da grilagem e do desmatamento, inclusive promovidos por queimadas ou uso de correntões [cabos de aço entre tratores que provocam derrubadas por onde passam], mas agora estão sendo aterrorizados pelo constante despejo de toxinas próximo às comunidades.
“A gente tá falando desde infecções na pele, né? Nós estamos falando de queimaduras. Nós temos uma comunidade no município de Timbiras em que um trabalhador teve o corpo queimado pela pulverização aérea, jogada sobre a comunidade, sobre a roça, sobre a casa desse trabalhador. Então ele teve a pele queimada. O neto, a nora dele, que estava grávida, também foi banhada de agrotóxico”, conta Palhano.
CPT, Articulação das Pastorais Sociais/Repam e Rede de Agroecologia do Maranhão se mobilizam agora para coletar assinaturas e apresentar um projeto de lei à Assembleia Legislativa do Maranhão para proibir a pulverização aérea de agrotóxicos em um raio de até 10 km de unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas ou agroecológicas do estado. A proposta também regularia a aplicação terrestre desses produtos, impondo limites em relação a áreas urbanas, escolas, hospitais e comunidades tradicionais, além de proibir o uso de substâncias já banidas em outros países e de criar o Plano Estadual de Redução de Agrotóxicos.
“Nós estamos falando de onde as comunidades vivem, plantam, tiram água, [de] onde elas tiram toda a sua subsistência. […] Nós estamos falando de uma realidade, assim, de uma ação totalmente indiscriminada e irregular, complementa Palhano.
A CPT destaca que os números apresentados representam parte da realidade, já que os dados passam por validação e tramitação pelos órgãos competentes antes de serem consolidados, o que significa que o cenário pode ser mais grave do que revelam os relatórios preliminares.
Em nota, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) do Maranhão afirmou que, em 2024, intensificou operações para verificar o armazenamento e a destinação correta dos agrotóxicos e que os casos de pulverização estão sendo analisados, com base em estudos técnicos, para identificar possíveis infrações. “Os responsáveis serão notificados, autuados e responderão a processos administrativos caso sejam confirmadas irregularidades”, concluiu.
Matopiba vive escalada de violência no campo
Além da questão dos agrotóxicos, o estado, bem como os demais estados do Matopiba (fronteira agrícola que se destaca pelo cultivo de soja e gado e engloba partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), experimentou um aumento de índices de violência no campo no primeiro semestre de 2024, em relação ao ano anterior.
Segundo a coordenadora nacional do CPT, Cecília Gomes, o Matopiba tornou-se o epicentro de conflitos e registrou crescimento de 150% nas ameaças de expulsão de terras, 60% nas ameaças de despejo, 30% na destruição de roçados e 16,67% no desmatamento ilegal.
“Nesses lugares, os povos e as comunidades estão muito mais ameaçadas, por se tratar de uma região de fronteira agrícola, uma região de maior disputa. E aí, disputa por quem? Pelas famílias camponesas, ou povos e comunidades tradicionais, que têm uma vida inteira histórica naquele lugar, e pela expansão agrícola, ou pelo agronegócio, ou pela produção de carnes”, explica Gomes.
A violência contra pessoas também reflete essa tensão crescente com registros de 42 ameaças de morte e quatro episódios de intimidação contra comunidades. “É expulsar aqueles que já estão na terra sem direito de dizer nada, para serem silenciadas. […] Fazer com que essas famílias saiam desse lugar, saiam, desocupem esses terrenos, porque [para os grandes empresários] esses terrenos [seriam] destinados para essa produção”, completa.