Muro Alto e Cupe: uma amostra da privatização das praias

Por Jeniffer Oliveira

A PEC 03/2022, conhecida como PEC das Praias, voltou à discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania nesta quarta-feira (04). Com novas emendas e alterações no texto original incorporadas pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta que prevê mudanças significativas na propriedade e gestão dos terrenos de marinha no Brasil que pertencem à União teve sua votação adiada mais uma vez.

Apesar de não citar expressamente a privatização das praias, retirar da União a responsabilidade desses terrenos pode dar margem para dificultar ainda mais o acesso da população ao litoral brasileiro.

Mesmo sem a PEC, as praias de Pernambuco já vivem essa realidade.

Um belo exemplo são as praias de Muro Alto e Cupe, em Ipojuca, no litoral sul. Nós percorremos aproximadamente sete quilômetros, entre a praia de Gamboa e o Pontal do Cupe, e encontramos ao menos 35 empreendimentos entre hotéis, residenciais e resorts à beira-mar, mais sete em construção. Todos eles ocupando terreno de marinha e formando uma barreira de imóveis que impedem o acesso da população.

Em 5,5 quilômetros da praia de Muro Alto existem apenas seis acessos públicos. A distância entre eles passa de 900 metros. Em alguns trechos seria necessário percorrer quase um quilômetros para chegar a um desses acessos. Sem contar a extensão do próprio acesso, geralmente ladeados por dois muros altos, para conseguir chegar à praia livremente.

No Cupe, percorremos cerca de 1,5 quilômetros e contamos quatro acessos, um deles quase impossível de passar, mesmo a pé. Em um desses acessos, a Alameda Loly, para chegar à praia o banhista tem de caminhar 325 metros disputando espaço com buggies entre os muros do hotel Ocaporã e da pousada Tabapitanga.

Em um artigo publicado no Congresso em Foco, Ronaldo Christofoletti, presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da Unesco, aponta os pontos de alerta incluídos na proposta. “A privatização dos terrenos de marinha pode levar a um modelo de desenvolvimento econômico que amplifica a desigualdade social e reduz os benefícios coletivos”, afirma.

Essas áreas são protegidas por regras específicas e a proposta busca transferir a posse desses terrenos para estados, municípios ou para iniciativa privada, se já os ocuparem. “Grandes empreendimentos em áreas litorâneas frequentemente resultam em exclusão, transformando o acesso às praias em um privilégio de poucos”, completa Ricardo.

Votação suspensa

A votação foi suspensa temporariamente, sem nova data prevista, por um pedido de vista coletiva solicitado por senadores e senadoras. Esta medida possibilita que os parlamentares analisem melhor as alterações realizadas no texto.

Durante a discussão o Senador Rogério Carvalho (PT/SE), fez o alerta: “a constituição hoje não estabelece nenhum requisito para que as pessoas tenham acesso à praia. Ele (o senador Flávio Bolsonaro do PL/RJ) condiciona ao plano diretor o que pode ser ou não pode ser livre acesso, portanto, ele piora o projeto de lei dele. Os ricos que mais têm terreno de marinha fazendo especulação imobiliária ficam livres de pagar o laudêmio e de indenizar a União”.

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