Com regras de ‘boa vizinhança’, moradores transformam casas em espaço para festas na Ilha do Bororé
Era um dia aparentemente comum de 2023, quando Edna Maria, 51, recebeu a pior notícia: o marido dela, Paulo César Jesus, 55, havia sido demitido do cargo de supervisor na Viação Grajaú, onde trabalhou por 20 anos. “Esse emprego era a nossa única renda fixa,” começa Edna. “O Paulo era um bom funcionário, não dava problemas, a demissão foi uma surpresa”, completa.
Moradores da Ilha do Bororé, no Grajaú, na zona sul de São Paulo, desde 2016, Edna e Paulo se mudaram para a região com o objetivo de fugir da agitação no bairro do Icaraí, também localizado no distrito. Com o tempo, o terreno comprado se tornaria também o caminho para o sustento depois do desemprego – o que é a realidade de dezenas de moradores da região.
Tudo começou quando a casa do casal se tornou um ponto de encontro fixo para as confraternizações de familiares e amigos. Na época não havia uma intenção financeira, mas os próprios amigos começaram a se interessar em alugar o espaço.
“A gente vendeu a nossa casa e compramos um terreno aqui. Começamos a reformar com o dinheiro que sobrou, uma coisinha aqui, outra ali”, relembra Paulo.
‘Nunca tinha pensado na possibilidade [de alugar], mas quando cogitei, veio o receio de receber estranhos na minha casa. Era esquisito imaginar’
Edna, dona de uma chácara em SP
Com a demissão de Paulo, o receio acabou ficando em segundo plano, pois havia uma necessidade. Os dois começaram de forma discreta, alugando apenas para familiares e amigos, mas, tudo acabou fluindo.
“Decidimos usar parte do dinheiro da minha rescisão para reformar a casa completamente. Adicionamos quartos de hóspedes, compramos uma nova churrasqueira, uma mesa de sinuca, uma TV, um aquecedor para a piscina”, conta Paulo.
A Ilha do Bororé é uma área totalmente arborizada e protegida por lei, separada do Grajaú pela represa Billings. Para chegar ao local, é preciso fazer uma travessia de balsa.
“Aqui tem alguns pequenos mercados, uma escola, um posto de saúde, mas o movimento geral de lojas, farmácia, academia, onde tem tudo, é lá no Grajaú, da balsa pra lá”, completa Edna.
Por outro lado, a ilha entrega entretenimento quando o assunto são as belas chácaras. Edna, que participa de um grupo de chacareiros, diz que a região possui mais de 80, muitas dessas – não todas – usadas para fins comerciais: “Só aqui na rua são 14”, destaca ela.
Transformação da casa em negócio
Inicialmente, a prioridade do casal era construir uma casa espaçosa para acomodar confortavelmente todos os cinco membros da família, sendo os dois e mais três filhos.
O terreno, com aproximadamente 2 mil metros quadrados, superou as expectativas. “A gente não precisava de uma piscina, mas decidimos fazer para nos entreter dentro de casa. Tudo aqui na Ilha é longe e também não conhecíamos ninguém”, conta Edna.
Atualmente, a Chácara dos Pássaros – como o espaço foi batizado – é oficialmente uma empresa formalizada em registro pela Receita Federal. Segue todas as ações necessárias que uma microempresa exige, contam os moradores.
As confraternizações vão desde festas de aniversários, casamentos, chás de bebês, revelação, até comemorações de clubes de futebol.
Edna ressalta que o espaço se tornou uma fonte de renda, mas adianta que está longe de ser um conto de fadas. “Há meses que vão melhores do que os outros e nós passamos dificuldades como qualquer empreendedor”.
Respeito a ‘boa vizinhança’
Falar sobre festas e não associar a barulho é inevitável, ainda mais na Ilha do Bororé, um local conhecido pela calmaria em uma área de proteção ambiental. Edna destaca que para driblar as reclamações dos vizinhos foi criado um grupo de comunicação entre os moradores no WhatsApp.
“Se o barulho passa dos limites, o dono da chácara é avisado no grupo, então ele resolve com o locatário (pessoa que aluga o espaço)”.
Há também uma regra da boa vizinhança, onde músicas altas são permitidas somente até as 22h. “Já aconteceu de um vizinho vender a chácara porque não queria respeitar as regras. Hoje o lugar é uma casa de recuperação”, diz.
Por fim, a moradora reforça que o respeito e a falta de competitividade são a base para o bom funcionamento dos empreendimentos na Ilha do Bororé: “Os empreendedores aqui da Ilha são bem unidos. Quando um cliente entra em contato comigo e eu não tenho data disponível, eu passo para outro chacareiro e vice-versa. Todo mundo se conhece e se ajuda”, finaliza Edna.
Chácara ‘Família Ramos’
Assim como Edna e Paulo, a autônoma Rosana Andrade, 37, e o marido, o escotista, Ademilton Andrade, 47, também decidiram usar a casa para conseguir uma renda. Hoje, o espaço ‘Chácara Família Ramos’, recebe muitas confraternizações e até shows acústicos de música ao vivo. “Geralmente esses shows são dos próprios clientes que alugam a chácara e contratam bandas ao vivo”, destaca Rosana.
Ela, que mora na região há oito anos, conta que a ideia de alugar a casa foi com o propósito de fazer um dinheiro extra, mas também porque queria passar mais tempo com os filhos, Pedro, que na época tinha sete anos e hoje tem 13, e Samuel, que tinha apenas três meses de vida e hoje tem sete.
Hoje, Rosana se dedica inteiramente à chácara – anteriormente ela dividia esse tempo trabalhando com vendas de lingeries – e afirma que consegue manter uma segurança financeira, além de ter uma autonomia nos negócios.
‘Antes eu trabalhava como vendedora de porta, mas não era sempre que tinha clientes, era mais difícil, só o Ademilson que trabalhava formalmente’
Rosana, da Chácara Ramos
“Com os aluguéis da chácara já tenho uma maior autonomia, eu cuido do espaço, negocio com os clientes, enquanto meu marido cuida da parte financeira”, diz. “A chácara é minha e dele, é uma parceria.”
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