Pecados Abaixo do Equador: uma nova narrativa sobre os 24 anos de ocupação holandesa no Brasil

Por Carol Monteiro

Há exatos 345 anos, no dia 20 de dezembro de 1649, morria na Alemanha o conde Maurício de Nassau, governador do chamado Brasil Holandês entre 1637 e 1644. Nassau é uma das figuras mais controversas da historiografia brasileira, e na data de sua morte chega ao público o projeto Pecados Abaixo do Equador, realizado em parceria pela Marco Zero, pela plataforma Placecloud e pelo espaço de exposição holandês Nest, com apoio da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Mais do que recontar os 24 anos de ocupação holandesa no Brasil (1630-1654), o projeto tem como principal objetivo desconstruir mitos profundamente enraizados no imaginário pernambucano e brasileiro. Entre eles, o “mito do bom colonizador holandês”, que apresenta Maurício de Nassau como um governante humanista e visionário, ou a ideia romantizada da “união das três raças” para expulsar os holandeses na chamada Restauração Pernambucana, entre 1644 e 1654. A verdade é que Nassau, como qualquer outro colonizador, defendia interesses meramente econômicos, neste caso os da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, promovendo a exploração de riquezas, o tráfico de pessoas escravizadas e a violência estrutural comum a qualquer regime colonial.

Pecados Abaixo do Equador é uma iniciativa que une jornalismo, história e tecnologia para lançar luz sobre um capítulo muitas vezes suavizado ou romantizado pela historiografia. O projeto apresenta 100 histórias curtas, que podem ser acessadas tanto em texto quanto em áudio, disponíveis em português, inglês e holandês. Todo o conteúdo estará acessível no site oficial e na plataforma Placecloud, que utiliza as tecnologias de geolocalização e Google Street View. Isso significa que, ao estar fisicamente em locais específicos, o usuário poderá acessar os áudios diretamente em seu celular, ouvindo as histórias enquanto caminha por esses espaços.

Se você estiver na Ponte Maurício de Nassau, no Centro do Recife, por exemplo, poderá descobrir a verdadeira história por trás da sua construção no século 17 e da célebre lenda do boi voador. Se estiver no bairro das Graças, no Recife, descobrirá que foi Nassau quem trouxe a cerveja ao Brasil e que aqui se fundou a primeira cervejaria das Américas. Mas as histórias não estão restritas a Pernambuco ou ao Nordeste do Brasil. O projeto vai além, conectando o público a lugares de todo o país, a cidades na Holanda e a regiões na Europa, nos Estados Unidos e nos continentes africano e asiático, mostrando a amplitude do impacto da ocupação holandesa. E para aqueles que não estão fisicamente nesses locais, todo o conteúdo pode ser acessado globalmente pelo site, permitindo que brasileiros, holandeses e qualquer pessoa no mundo conheça uma nova versão dessa história.

O projeto é fruto de um ano de trabalho colaborativo entre os jornalistas Carol Monteiro, cofundadora da Marco Zero, e Emerson Saboia; os historiadores Fernando Rodrigues, mestre em História pela Unicap e doutorando pela Universidade Federal da Paraíba, e Carolina de Queiroz Monteiro, doutoranda na Universidade de Leiden, na Holanda, e Babak Fakhamzadeh, cofundador da ONG walk · listen · create e gerente do Placecloud, que se dedicaram a pesquisar, apurar e construir narrativas críticas e acessíveis. A abordagem inovadora combina rigor acadêmico com recursos tecnológicos que colocam o público em contato direto com as histórias.

Como acessar:

Website: https://brasil-holandes.marcozero.org/

Placecloud: https://placecloud.io/?c=28460

Além do áudio e do texto, os conteúdos também são ilustrados com pinturas, gravuras e mapas do período, especialmente com trabalhos de Frans Post, Albert Eckhout, Guilherme Piso e Georg Marcgraf, que acompanharam Nassau no Brasil, registrando as paisagens, a fauna, a flora e os tipos humanos locais. Em alguns textos, no entanto, a falta de ilustrações levou a equipe do projeto a recorrer a IAs generativas para “recriar” as passagens históricas ou imaginar novos desfechos, a exemplo de como seria o Recife se os holandeses não tivessem sido expulsos do Brasil.

O projeto não se limita ao dia do lançamento: a cada sexta-feira, um novo conteúdo será adicionado à plataforma e ao site, mantendo o público engajado com novos fatos, revelações surpreendentes e acontecimentos pouco conhecidos. São histórias que desvendam personagens esquecidos, revelam locais marcantes, expõem curiosidades e, principalmente, discutem as consequências sociais, econômicas e culturais do período, que ainda reverberam nos dias de hoje.

Com as histórias contadas em três idiomas, Pecados Abaixo do Equador vai além das fronteiras brasileiras para alcançar o público em qualquer lugar do mundo, especialmente na Holanda, onde o Brasil Holandês é tratado apenas como uma “aventura passageira”. “Para nós, foi um período de violência, exploração e imposição cultural, que deve ser lembrado de forma crítica e honesta. O projeto convida brasileiros e holandeses contemporâneos a refletirem juntos, aprendendo que as narrativas e representações do passado ainda influenciam o presente e que histórias de colonização, genocídio e exploração precisam ser desconstruídas para que não se repitam”, explica Carol Monteiro.

“Mudei-me para o Brasil em 2014 e, apesar de ter crescido na Holanda, tinha apenas uma vaga noção do papel do país na história colonial do Brasil. Quando visitei Olinda, em 2018, um guia local, que não sabia que minha nacionalidade era holandesa, disse-me que o Brasil estaria em uma situação melhor hoje, se os holandeses nunca tivessem ido embora. Imediatamente pensei nas transgressões holandesas no Suriname e, pior, no Leste Asiático, e não poderia discordar mais”, conta Babak. “Quando surgiu a possibilidade de contar a história do passado colonial holandês no Brasil de uma forma envolvente, por meio de podcasts curtos e baseados em locais, sabia que tínhamos que aproveitar a oportunidade e trazer à tona esses pecados coloniais abaixo do equador”, completa.

Para Fernando Rodrigues, o projeto foi um diferencial para a sua vida acadêmica. Ele concluiu o mestrado profissional em História na Unicap com a proposta de uma cartilha de turismo pedagógico, em papel, para ajudar professores a criar aulas de campo sobre o tema. “Quando recebi o convite para integrar a equipe de produção, fiquei muito feliz diante de uma perspectiva de maior alcance, em comparação ao que pude formular para minha dissertação. Creio que essa produção terá um impacto profissional muito grande em minha carreira, materializando a teoria acadêmica para um produto prático, virtual e acessível para qualquer interessado no passado holandês”, completou.

O lançamento de Pecados Abaixo do Equador é mais do que uma data histórica: é um convite para descobrir, questionar e reconstruir as memórias do passado. Acesse o site, explore as histórias e acompanhe os novos conteúdos lançados toda sexta-feira. Mais do que ouvir o passado, este é um chamado para refletir sobre o presente e construir um futuro mais consciente e justo.

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