Produtores culturais questionam resultados do edital Aldir Blanc em Pernambuco

Por Maria Carolina Santos

Desde que os resultados dos editais da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) foram divulgados, no final da semana passada, se acumulam críticas aos critérios de elegibilidade do edital. Vai desde o acesso às vagas para a ampla concorrência, até o descaso dos pareceristas e à falta de cumprimento das vagas especificadas no edital. No lançamento, em outubro, o Governo de Pernambuco anunciou que o PNAB deve contemplar cerca de 2.200 projetos culturais em Pernambuco, distribuindo R$ 65,9 milhões em sete editais. A verba é proveniente do Ministério da Cultura (MinC).

A Marco Zero ouviu seis produtoras e produtores da Região Metropolitana do Recife e do Agreste. A maioria preferiu ficar no anonimato, para evitar represálias. Um deles autorizou a publicação do nome, mas decidimos manter o mesmo tratamento dado aos demais.

Uma das reclamações mais recorrentes é sobre os pareceres dados aos projetos. Muitos produtores afirmam que não receberam respostas condizentes aos projetos entregues. Um cineasta que tentou um edital para finalização de um longa-metragem afirmou que dois dos três pareceres eram extremamente genéricos, sem citar qualquer aspecto do arquivo com 70 minutos de imagens que foram enviadas.

Outra produtora reclamou das discrepâncias entre as notas, com pareceristas dando a nota máxima e outro a mínima para o mesmo projeto. Muitos suspeitam de uso de Inteligência Artificial para a avaliação. “Parece que o projeto foi colocado no ChatGPT e saiu uma resposta qualquer. Não parece que leram o meu projeto”, disse um produtor.

Integrante da atual gestão da Diretoria da ABD/APECI (Associação Brasileira de Documentaristas e Associação Pernambucana de Cineastas) e representante da ABD/APECI no Conselho Audiovisual e na Câmara Setorial do Audiovisual, o produtor cultural Mauricio Corrêa enviou uma nota solicitando uma reunião presencial com a Secretaria de Cultura e Fundarpe, responsáveis pela execução do PNAB em Pernambuco.

“O resultado recente do edital revela discrepâncias alarmantes entre os projetos apresentados e as notas de avaliação atribuídas, o que tem gerado um crescente sentimento de descontentamento e de credibilidade no setor. Infelizmente, este não é um caso isolado: problemas semelhantes vêm sendo registrados também nos editais da lei Paulo Gustavo, e agora se repetem na PNAB”, afirmou na nota.

Um outro produtor questionou a ênfase dada à formação. “Profissionais do audiovisual que têm um histórico grande, mas não têm um currículo de formação em cinema, foram desclassificados em quesitos técnicos”, disse. “Acredito que por mais vontade e disposição que a Secult tenha de fazer algo, eles não têm conhecimento técnico para dialogar, gerir, fomentar. O descaso dos pareceristas que não sabem o que estão avaliando vem desde a Lei Paulo Gustavo. Os critérios adotados pela gestão não andam em sintonia, porque não há escuta, não há transparência, não há diálogo transversal”, disse.

Um produtor que já atuou como pareceirista de projetos para a Secretaria de Cultura de Pernambuco afirma que o “mercado” de pareceristas com o PNAB e a Lei Paulo Gustavo aumentou muito e tanto o Governo quanto a Prefeitura do Recife não souberam selecionar os candidatos. “Apareceu muita gente novata e sem noção. Para piorar, a Secult/Fundarpe fez um credenciamento de pareceristas muito amplo e ao invés de chamar pelo ranking de pontuação, fez sorteio para convocar. Ou seja, a chance de ter alguém despreparado para avaliar um projeto é maior do que ter alguém experiente”, reclamou. “A Prefeitura do Recife também fez sorteio e diz que é algo mais isento. Mas é um problema, pois precariza os dois lados sem haver garantia de uma avaliação de qualidade”, diz.

Ampla concorrência de fora do edital?

Outra reclamação dos produtores e produtoras é que não havia como pessoas de fora das cotas ou da indução de pontos, aprovar um projeto na ampla concorrência, se houvesse pessoas negras, pessoas indígenas ou pessoas com deficiência concorrendo na mesma faixa.

“Tirei a maior nota da minha faixa e fiquei como suplente. E várias pessoas abaixo de mim passaram por conta das políticas afirmativas. Se ter a maior nota da faixa não me faz passar, então de que forma eu passaria?”, questionou uma produtora do Agreste do estado.

Outro produtor notou que mesmo que se tivesse atingido a nota máxima em todos os quesitos não conseguiria passar na ampla concorrência. “Meu projeto poderia ter ficado com 70, tirando notas máximas em todos os quesitos. O projeto com menor nota que passou foi 85, com os indutores de notas. Ou seja, eu nunca tive chance”, afirmou.

“Só queria que isso tivesse sido deixado claro, que era um edital apenas para políticas afirmativas. Escrever um projeto e juntar a documentação é um processo bastante trabalhoso”, disse. “Também não entendi porque mulher trans tinha 20% de indução de nota e homem trans apenas 5%”, questionou.

Além das cotas e dos indutores de notas, havia também prioridade no remanejamento de vagas. “Os percentuais de reserva de vagas foram respeitados nos limites do edital. Mas com o remanejamento priorizando esses proponentes, não havia como alguém que não estivesse concorrendo às cotas conseguisse ser aprovado, com exceção nos casos em que não havia projetos de ações afirmativas concorrendo na linguagem ouregião”, disse. “Na prática, isso significou que todos os proponentes pessoas negras, pessoas indígenas e pessoas com deficiência foram selecionados”, afirmou uma produtora.

Abaixo, segue a íntegra da resposta da secretaria estadual de Cultura para nossos questionamentos:

Resposta da Secretaria de Cultura

01 – Vários produtores(as) estão reclamando que não havia possibilidade de pessoas não cotistas serem aprovadas nos editais, só se não houvesse outros projetos. No edital de economia criativa e solidária, por exemplo, nenhuma PN/PI/PCD deixou de ser selecionada, ainda que alguns projetos tenham tirado notas baixas, menores que a metade da pontuação máxima. As medidas de política afirmativas (além da reserva de vagas, os indutores na pontuação) inviabilizaram a ampla concorrência?

Resposta: Se tratando do edital de Economia Criativa e Solidária, se observarmos apenas as propostas selecionadas tão somente a partir da ampla concorrência, temos um recorte de 12%. É fundamental ressaltar a visível reparação histórica exercida através dos Editais da PNAB PE através de todas as reservas estabelecidas. Em tempo, a Secretaria de Cultura do Estado enfatiza que todas as etapas da PNAB vem sendo plenamente executadas através de uma plataforma 100% auditável e, em cumprimento a instrução normativa (MinC Nº 10, de 28 de Dezembro de 2023) e o decreto de fomento (§ 2º do Art. 4º do Decreto nº 8.750, de 9 de maio de 2016). No que tange todos os editais da PNAB PE, foi reservado o mínimo de reservas dispostas abaixo:

Ainda conforme a Instrução Normativa e editais PNAB PE, a Secult-PE destaca que as pessoas que optarem pelas cotas e atingirem nota suficiente para se classificar no número de vagas oferecidas para ampla concorrência não ocuparão as vagas destinadas para o preenchimento das cotas.

Em conformidade com o Art. 2º da Instrução Normativa MinC Nº 10, de 28 de Dezembro de 2023, a aplicação de bonificação ou critérios diferenciados de pontuação serão utilizados neste Edital como mecanismo de estímulo à participação e ao protagonismo de agentes culturais de forma representativa por mulheres trans e cis, pessoas negras, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais de que trata o § 2º do Art. 4º do Decreto nº 8.750, de 9 de maio de 2016, essoas LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas idosas, pessoas em situação de rua, e outros grupos vulnerabilizados socialmente.

A Secult-PE reforça que os critérios diferenciados de pontuação têm como objetivo valorizar e induzir propostas culturais que contemplem ou tenham associação às políticas afirmativas, podendo ser aplicados a pessoas físicas, a pessoas jurídicas e a grupos e coletivos sem constituição jurídica.

Após a análise das propostas habilitadas será adicionada à nota final um percentual de indução, não cumulativo, conforme orienta o Art. 6º e 7º da Instrução Normativa MINC Nº 10 e de acordo com a tabela abaixo:

02 -Muitos produtores estão reclamando dos pareceres. Dizem que foram genéricos, sem focar no produto analisado. Qual a relação de pareceristas X projetos dos editais? Há alguma política de uso de inteligência artificial na avaliação dos projetos?

Resposta: Todos os pareceristas foram contratados para esse processo de avaliação por meio de um edital de chamamento, que definiu os pré-requisitos para avaliação e a posterior contratação. A Secult-PE ressalta que todas as propostas foram avaliadas por 3 (três) pareceristas, que têm autonomia para discorrer o seu parecer, assim como as suas notas. Vale reforçar que todos os pareceristas foram orientados a avaliar as propostas atribuídas aos seus agentes de maneira técnica, atenciosa e profissional. Dessa maneira, a Secult-PE reitera que repudia veementemente o uso de inteligência artificial em todos os níveis, não sendo permitida como ferramenta pra avaliação das propostas.

03 – Há também a reclamação de que a Secult não respeitou a quantidade de vagas para cada linguagem, que seria de 3 vagas. Em “Teatro”, há a reclamação de que só houve um projeto selecionado. Por que isso ocorreu?

Resposta: Para esse ponto, a Secult-PE lembra o item 5.1.4. do edital que informa que: “A divisão por linguagem será atendida enquanto for possível respeitar as reservas de cota e regionalização”. No que tange a reserva de vagas por linguagem, aproximadamente, a secretaria informa que para artes de teatro no edital de Economia Criativa e Solidária foi contabilizado um total de 4 propostas selecionadas do resultado provisório, podendo esse ser alterado a depender do resultado da avaliação pós-recurso.

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