Em Cruz da Menina, o autorreconhecimento começa na primeira infância

Por Inês Campelo

Toda quinta-feira, as irmãs Rebeca e Radassah têm um compromisso que aguardam com ansiedade a semana toda. É nesse dia que as duas meninas da comunidade quilombola de Cruz da Menina encontram Raquel Oliveira, visitadora do Programa Criança Feliz no município de Dona Inês (PB). Radassah e Rebeca, que têm um e dois anos respectivamente, estão entre as 15 crianças da comunidade atendidas pelo programa do Governo Federal voltado para a primeira infância. “Elas mandam áudio perguntando se vou. Muitas vezes ficam esperando na janela. Quando eu chego, elas correm dizendo: ‘Kel chegou, Kel chegou’.”

Esse vínculo afetivo criado entre as meninas e a visitadora, construído ao longo de meses de contatos, é fundamental para o sucesso do programa. A alegria das meninas também vem do fato de que, durante os encontros que duram, em média, 40 minutos, mãe e filhas aprendem de forma lúdica, fazendo tudo parecer uma grande brincadeira. “A visitadora vem uma vez na semana acompanhar as meninas e traz várias atividades. Sempre utiliza coisas domésticas: tampinha de garrafa, pregadores de roupa… é um acompanhamento muito bom no desenvolvimento da coordenação motora da criança. Para mim, é um excelente trabalho”, define Eliete Pereira Frazão, mãe de Rebeca e Radassah.

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Criança Feliz é um programa do governo federal, com ações realizadas pelos municípios de forma articulada com os serviços socioassistenciais, via Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e com as demais políticas públicas setoriais. Por meio de visitas domiciliares às famílias participantes do Cadastro Único, as equipes do Criança Feliz fazem o acompanhamento e dão orientações importantes para fortalecer os vínculos familiares e comunitários, além de estimular o desenvolvimento infantil.

Quem pode participar:

• Gestantes, crianças de até três anos e suas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família;
• Crianças de até seis anos beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada e suas famílias;
• Crianças de até seis anos afastadas do convívio familiar em razão da aplicação de medida de proteção prevista no art. 101 da Lei nº 8.609, de 13 de julho de 1990, e suas famílias.

O Criança Feliz, que funciona desde 2017 em Dona Inês, tem sido uma ferramenta importante para que a cidade apresente bons indicadores relacionados à primeira infância, culminando com o recebimento, em 2024, do Selo Unicef. Mas em Cruz da Menina, o programa vai além. Durante os encontros, enquanto repassam todo conteúdo comum, as visitadoras também buscam fortalecer os vínculos das crianças com a comunidade a partir de um trabalho de valorização da história local, desenvolvendo um sentimento de pertencimento com o lugar onde moram.

Para isso, as visitadoras recebem formação, direcionamento e capacitação específica para o atendimento à comunidade quilombola. “Elas são preparadas para respeitar, acima de qualquer coisa, a história da própria comunidade. O olhar precisa e deve ser diante da realidade do chão do território”, explica Maria Rejane da Silva Araújo, coordenadora do Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) do município.

A formação para os trabalhadores que atuam diretamente na comunidade está dentro do plano de ação da assistência social do município. Em 2024, duas visitadoras dividiram o atendimento em Cruz da Menina. Além de Raquel, que atende a três famílias semanalmente, Paula Clementina da Silva atende a outras seis.

Desenvolvimento mais rápido

Eliete tem outras duas filhas mais velhas, Rúbia (10 anos) e Raíssa (6 anos). Por conta da idade, elas não tiveram oportunidade de entrar no programa. “Quando eu fui lá no CRAS atualizar meu Cadastro Único me falaram sobre esse programa. Aí eu me cadastrei ainda grávida de Rebeca. Eu achei muito bom esse acompanhamento” lembra Eliete.

Assim, comparando as situações distintas vividas na criação das filhas, a mãe pôde perceber a vantagem do acompanhamento semanal feito pelo programa. “O desenvolvimento é mais rápido. Porque quando a pessoa é mãe, é uma correria, né? No dia a dia, você não tem muito tempo para fazer isso ou aquilo. E essa visita, uma vez na semana, ajuda bastante o desenvolvimento delas”.

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