Demora no atendimento, falta de comunicação objetiva entre médicos e pacientes, atrasos no pagamento e alta rotatividade da equipe de saúde são alguns dos principais problemas apontados por trabalhadores e pacientes do Hospital Heliópolis, localizado na zona sul de São Paulo.

Em 8 de janeiro de 2025, a FUABC (Fundação do ABC) assumiu a gestão dos serviços de urgência e emergência do complexo hospitalar, incluindo pronto-socorro, clínica médica e cirurgia geral. Profissionais de saúde e membros do movimento “Hospital Heliópolis Pede Socorro” realizaram um protesto na tarde desta quarta-feira, (6), pelas ruas da comunidade, em razão dos problemas enfrentados pela unidade de saúde.

“Há relatos de demora para agendar consultas, salas de cirurgia paradas e também demora no atendimento no pronto-socorro”, diz servidora pública e manifestante que optou por não se identificar.

Hospital Heliópolis que foi privatizado em janeiro deste ano @Isabela do Carmo/Agência Mural

“Sabemos que não conseguiremos impedir a privatização, mas queremos, ao menos, que a qualidade do atendimento melhore. O medo da comunidade é perder o hospital devido à sua deterioração.”

A justificativa apresentada pelo Governo do Estado de São Paulo para a decisão é a promessa de melhoria na infraestrutura e no atendimento. No entanto, esse avanço ainda não se reflete na prática, gerando questionamentos sobre a real eficácia dessa abordagem.

No mês passado, o líder comunitário Emerson de Abreu, 50, tentou ajudar um vizinho, uma criança de oito anos, que havia quebrado o braço. Ao chegar no pronto-socorro do hospital não havia ortopedista, o que impediu que ela fosse atendida.

“Tivemos que retornar no dia seguinte para verificar se havia ortopedista disponível. Mas quando voltamos ao hospital, o especialista novamente não estava presente”, conta.

“Além disso, fiquei bem assustado ao ver a quantidade de pessoas esperando atendimento, estava lotado. Ouvi relatos de pessoas que acabaram desistindo por conta do tempo de espera”.

Maria Fernandes, 65, frequenta regularmente o Hospital Heliópolis para tratar artrite, artrose e problemas cardíacos. Moradora da comunidade, ela afirma que se consulta na unidade desde a inauguração. No entanto, se queixa da demora no atendimento, tanto quando há consulta agendada quanto no pronto-socorro.

Moradores da região vão às ruas contra precarização no atendimento do Hospital Heliópolis @Isabela do Carmo/Agência Mural

Uma paciente que se trata de um linfoma de Hodgkin relata ter percebido um declínio no atendimento, especialmente devido à alta rotatividade de médicos.

Segundo ela, desde 2024, estava sendo atendida por um residente em oncologia. No entanto, em janeiro de 2025, começou a ser tratada por outro profissional, uma vez que o médico anterior mudou de especialidade.

Ela também estava prestes a realizar uma cirurgia de varizes, com exames médicos e prontuários prontos, mas não conseguiu realizar o procedimento porque perdeu a chamada telefônica de agendamento da cirurgia.

“É complicado. A gente nem sempre consegue atender o telefone, ainda mais com número desconhecido. Tentei remarcar a cirurgia, mas disseram que o hospital não a realiza mais. Eu sinto que perdi o vínculo com os profissionais daqui”, desabafa a paciente que pediu para não se identificar com receio de represálias.

Um dos motivos para essa falta de vínculo é a grande troca de profissionais, avalia Eliane Furtado, diretora do Sinsprev (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado de São Paulo) e Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social).

Segundo ela, grande parte do corpo médico é contratado sob o regime de PJ (Pessoa Jurídica), sem vínculo formal com a instituição. “Você é atendido por um profissional, mas, se voltar na semana seguinte, ele pode não estar mais lá.”, diz.

HOSPITAL TEM 56 ANOS

Fundado em 1969, o Hospital Heliópolis surgiu como parte integrante do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social). Inicialmente sob a responsabilidade do Governo Federal, ele passou a ser administrado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1989.

Com o passar dos anos, o hospital se tornou uma referência em diversas especialidades, como oncologia, clínicas de cabeça e pescoço, vascular e atendimento a pessoas vivendo com HIV.

Além de atender a população de Heliópolis e regiões próximas, o hospital passou a ser referência não apenas para municípios vizinhos, como as cidades do Grande ABC, mas também para pessoas de diferentes localidades da região metropolitana de São Paulo e até de outras partes do Brasil.

Em janeiro de 2025, a FUABC assumiu a gestão dos serviços de urgência e emergência para adultos do Hospital Heliópolis, após firmar uma parceria com o Governo do Estado de São Paulo. A ação segue os projetos de privatização ampliados desde o governo João Doria (PSDB) e que foram ampliados com Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O convênio, com duração inicial de seis meses e custeio de R$ 15,8 milhões, tem como objetivo a gestão do corpo técnico e administrativo da unidade hospitalar.

Eliane Furtado, diretora do Sinsprev_SP e Fenasps durante a manifestação contra a privatização @Sinsprev_SP/Divulgação

De acordo com informações do site da fundação, foram mobilizados 200 profissionais, incluindo médicos, enfermeiros, assistentes sociais e fisioterapeutas. A concessão abrange, atualmente, os atendimentos no pronto-socorro e serviços nas especialidades de clínica médica e cirurgia geral.

Segundo Eliane, a promessa é de que apenas algumas partes seriam concedidas à iniciativa privada. “Mas a gente sabe que isso não é verdade. Começa em pedaços, depois a privatização é tomada por completo. O que vemos é o lucro transformando a saúde em mercadoria”, aponta.

Segundo Cláudio José Machado, 61, coordenador do Fórum Popular de Saúde, além de diretor do Sinsprev e da Fenasps, a privatização acende um alerta sobre os impactos no cenário dos servidores públicos, pois coloca em risco a segurança no emprego desses profissionais.

Na saúde, a privatização é feita por meio das chamadas organizações sociais. Por exemplo, a lavanderia é administrada por uma organização, o pronto-socorro por outra, e assim por diante.

Cláudio afirma que o grande problema disso é que não há controle sobre a qualidade dos serviços. “O dinheiro é destinado a essas entidades, mas não é investido nem no setor público, nem nos servidores públicos. Isso gera um problema na fixação de profissionais no complexo hospitalar, pois as instituições podem rotacionar seus funcionários”, explica.

Cláudio também aponta para as condições de trabalho dos servidores: “Ao remover os servidores públicos, tira-se todo o planejamento histórico da saúde.”

Denúncias contra a FUABC

A Fundação do ABC, responsável pela gestão de AMEs, centros hospitalares, complexos de saúde, UPAs e hospitais nas cidades de Mauá, Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, Diadema, Mogi das Cruzes, Carapicuíba e no bairro de São Mateus, na capital paulista, acumula uma série de processos trabalhistas.

Entre as questões discutidas, estão pedidos de indenização por danos morais, adicional de insalubridade, diferenças salariais por desvio e acúmulo de funções.

Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde diz: “A Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP) está investindo R$ 50 milhões em obras de reforma, ampliação e compra de equipamentos para o Hospital Heliópolis. Atualmente, os convênios vigentes com a Fundação ABC são para a gestão do pronto-socorro, de 100 leitos de enfermaria e duas salas cirúrgicas da unidade, com o intuito de aprimorar o atendimento aos pacientes.

O Hospital Heliópolis oferece atendimento nas especialidades de cirurgia geral, clínica médica, infectologia, dermatologia, oncologia, diagnóstico por imagem, patologia clínica e anatomia patológica, anestesiologia, medicina intensiva, cirurgia do aparelho digestivo, colo – proctologia, cirurgia plástica, cirurgia do tórax, urologista, cirurgia vascular, ginecologia, cirurgia de cabeça e pescoço, odontologia, fisioterapia e neurocirurgia. Todos os pacientes que buscam a unidade são acolhidos conforme seu quadro clínico.

O programa de residência médica é composto por 130 residentes, colaborando para a qualidade assistencial do hospital.”

Já a entidade diz: “A Fundação do ABC informa que a gestão do Hospital Heliópolis está sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde. Dessa maneira, os questionamentos devem ser encaminhados diretamente para a área de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde. A atuação da FUABC na unidade ocorre mediante termos de convênio, cuja integralidade está disponível no Portal da Transparência.”

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